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Crítica/música
Marina encontra equilíbrio com o moderno
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
Desde os seus primórdios, Marina Lima
criou uma forma particular de se relacionar com o
tempo. Na busca por um lugar
no pop, foi tateando formas, estilos e sons. É artista que caça
ideais de modernidade e parece
andar com termômetro à mão
para medir a temperatura do
cenário antes de sair da toca.
Com "Lá nos Primórdios",
Marina colhe novos resultados.
Os tempos são outros. Ela caminha em sua terceira década
na indústria. Tempo suficiente
para ascensões e quedas. O novo álbum vai lá na "essência das
coisas" e acerta seu foco. Se em
seu primeiro disco, "Simples
como Fogo" (1979), mirava a
MPB, em "Fullgás" (1984), envolvia-se com o rock, o então
fenômeno de massas, e uma
eletrônica hoje antiquada.
Segue agora trajetória coerente e continua buscando o
novo no pop. E música eletrônica é ainda a referência de modernidade, local onde as renovações se abrigam. Mas, ironia
das ironias, a eletrônica também já é algo velho, assimilado
pelo sistema. O presente é o
passado. Nesse paradoxo, Marina encontrou um inesperado
equilíbrio. Fica em paz com
presente, passado e futuro. Não
soam novidadeiros ou deslumbrados os sintetizadores e
loops que dominam o disco.
Mas Marina não é artista padrão. Deu tempo para a reclusão e a depressão. Continua
correndo para retomar o tempo
perdido. É dramática, como
mostra o tenso bolero eletrônico que abre o disco, a excelente
"Três", canção de climas "matemáticos", precisos. "Um só
sempre é demais/ pra seres como nós/ sujeitos a jogar/ as fichas todas de uma vez/ sem temer naufragar", conclui.
Seres como Marina mantêm
um espírito punk hoje pouco
visto na geração 80. A arte vem
da crise, parece lembrar. Presente e passado se espelham,
seja no Brasil retratado na regravação de "$ Cara", música
dos tempos de Collor ("Jamais
foi tão escuro/no país do futuro"), seja no sexo ("Por que as
mulheres também não podem
ter a sua sauna gay?", em "Anna
Bella"). Na irônica "Vestidinho
Vermelho", acaba sendo política em ano eleitoral: "Dizem que
mulheres não devem ser presidentes/ Porque a gente pira, a
gente mente".
"Lá nos Primórdios" condensa as Marinas MPB, roqueira e
eletrônica. E a inspiração calculada, a base de tudo, vai à essência de sexo, desejo e tempo.
Desta vez, ela fez um disco com
generoso prazo de validade.
LÁ NOS PRIMÓRDIOS
Artista: Marina Lima
Gravadora: EMI
Quanto: R$ 27, em média
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