São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 2006

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Crítica/música

Marina encontra equilíbrio com o moderno

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde os seus primórdios, Marina Lima criou uma forma particular de se relacionar com o tempo. Na busca por um lugar no pop, foi tateando formas, estilos e sons. É artista que caça ideais de modernidade e parece andar com termômetro à mão para medir a temperatura do cenário antes de sair da toca. Com "Lá nos Primórdios", Marina colhe novos resultados.
Os tempos são outros. Ela caminha em sua terceira década na indústria. Tempo suficiente para ascensões e quedas. O novo álbum vai lá na "essência das coisas" e acerta seu foco. Se em seu primeiro disco, "Simples como Fogo" (1979), mirava a MPB, em "Fullgás" (1984), envolvia-se com o rock, o então fenômeno de massas, e uma eletrônica hoje antiquada.
Segue agora trajetória coerente e continua buscando o novo no pop. E música eletrônica é ainda a referência de modernidade, local onde as renovações se abrigam. Mas, ironia das ironias, a eletrônica também já é algo velho, assimilado pelo sistema. O presente é o passado. Nesse paradoxo, Marina encontrou um inesperado equilíbrio. Fica em paz com presente, passado e futuro. Não soam novidadeiros ou deslumbrados os sintetizadores e loops que dominam o disco.
Mas Marina não é artista padrão. Deu tempo para a reclusão e a depressão. Continua correndo para retomar o tempo perdido. É dramática, como mostra o tenso bolero eletrônico que abre o disco, a excelente "Três", canção de climas "matemáticos", precisos. "Um só sempre é demais/ pra seres como nós/ sujeitos a jogar/ as fichas todas de uma vez/ sem temer naufragar", conclui.
Seres como Marina mantêm um espírito punk hoje pouco visto na geração 80. A arte vem da crise, parece lembrar. Presente e passado se espelham, seja no Brasil retratado na regravação de "$ Cara", música dos tempos de Collor ("Jamais foi tão escuro/no país do futuro"), seja no sexo ("Por que as mulheres também não podem ter a sua sauna gay?", em "Anna Bella"). Na irônica "Vestidinho Vermelho", acaba sendo política em ano eleitoral: "Dizem que mulheres não devem ser presidentes/ Porque a gente pira, a gente mente".
"Lá nos Primórdios" condensa as Marinas MPB, roqueira e eletrônica. E a inspiração calculada, a base de tudo, vai à essência de sexo, desejo e tempo. Desta vez, ela fez um disco com generoso prazo de validade.


LÁ NOS PRIMÓRDIOS    
Artista: Marina Lima
Gravadora: EMI
Quanto: R$ 27, em média


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