São Paulo, sábado, 11 de agosto de 2007

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MANUEL DA COSTA PINTO

Desencanto e purgação

Coleção convida à leitura da produção de novos poetas e de autores que surgiram nas décadas de 1960 e 1970

VOLTADA PARA poetas inéditos, a coleção Canto do Bem-Te-Vi, coordenada por Lélia Coelho Frota, acaba de lançar uma fornada que introduz um pequeno desvio nesse critério editorial. São cinco livros de escritores com produção anterior considerável (mas que, nos últimos anos, estiveram ausentes de antologias e periódicos especializados) e poetas que chegam ao segundo ou terceiro livro.
No primeiro caso estão duas autoras com vários títulos publicados. Elisabeth Veiga, que agora lança "A Estalagem do Som", estreou nos anos 70 e parece manter desse período da poesia brasileira uma combinação de angústia (irremediável) e humor (paliativo).
Sua dicção algo escrachada está no poema "Relatório", que funciona como cartão de visita: "Eu, com o parafuso-sujeito,/ me sinto Elisabeth/ movendo incongruências,/ descabelos de pensamentos" -versos que se conectam ao final de "Sonata Achincalhada": "Quem quiser que funcione:/ eu sou parafuso a menos/ da máquina do mundo".
A auto-ironia na menção a Drummond dá o tom do livro, em que a exposição da fragilidade leva a estados burlesco-depressivos ("estou chorando a cântaros/ em dodecafonia") cujas frestas revelam uma perpetuação do desencanto geracional.
"Ante-sala", de Astrid Cabral (poeta atuante desde os anos 60), pertence a outro registro. Mais solene, não raro deriva para um tom grandiloqüente (interjeições, flexão retórica de verbos na segunda pessoa), porém condizente com o tema da aproximação do fim, que domina o livro e é responsável por seus melhores momentos: "Imóvel nos gonzos/ não logramos mover/ a porta chumbo da morte".
Dentre os poetas mais novos da coleção estão Paula Padilha ("Tempo Inteiro", com versos que procuram conservar "a espessura do momento" em meio a anotações sobre aspectos parciais de um cotidiano entre o prosaico e o abstrato) e Solange Casotti (cujo "Tectônicas" é um diário íntimo atravessado por pequenas epifanias: "berros no chuveiro,/ teoremas matinais").
Merece especial atenção "Ao Léu", de André Luiz Pinto. Autor de dois livros notáveis -"Flor à Margem" e, sobretudo, "Primeiro de Abril"-, trata-se de um caso raro de poeta que consegue sustentar uma contemplação da realidade social sem cair na denúncia ou na identificação lacrimosa.
Incorporando sutis referências da música popular ("às vezes me pego cantando"), seu habitat poético é o subúrbio carioca, cujos momentos de lassidão ("Linda, atravessa a passarela/ a plataforma da estação Madureira") não mascaram "o outro lado do Rio/ o Rio que me afoga entre os alambrados".
A recorrência temática, porém, jamais se sobrepõe à forma intensa, quase corpórea, e à intensidade formal com que ele assume a tarefa de "dizer e contar/ a fim de purgar/ toda a água e todo ódio/ das cumplicidades extras".


AO LÉU
Autor:
André Luiz Pinto
Editora: Bem-Te-Vi
Quanto: R$ 19 (80 págs.)
Avaliação: bom


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