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MANUEL DA COSTA PINTO
Desencanto e purgação
Coleção convida à leitura da produção de novos poetas e de autores que surgiram nas décadas de 1960 e 1970
VOLTADA PARA poetas inéditos,
a coleção Canto do Bem-Te-Vi, coordenada por Lélia
Coelho Frota, acaba de lançar uma
fornada que introduz um pequeno
desvio nesse critério editorial. São
cinco livros de escritores com produção anterior considerável (mas
que, nos últimos anos, estiveram ausentes de antologias e periódicos especializados) e poetas que chegam
ao segundo ou terceiro livro.
No primeiro caso estão duas autoras com vários títulos publicados.
Elisabeth Veiga, que agora lança "A
Estalagem do Som", estreou nos
anos 70 e parece manter desse período da poesia brasileira uma combinação de angústia (irremediável) e
humor (paliativo).
Sua dicção algo escrachada está no
poema "Relatório", que funciona como cartão de visita: "Eu, com o parafuso-sujeito,/ me sinto Elisabeth/
movendo incongruências,/ descabelos de pensamentos" -versos que
se conectam ao final de "Sonata
Achincalhada": "Quem quiser que
funcione:/ eu sou parafuso a menos/
da máquina do mundo".
A auto-ironia na menção a Drummond dá o tom do livro, em que a exposição da fragilidade leva a estados
burlesco-depressivos ("estou chorando a cântaros/ em dodecafonia")
cujas frestas revelam uma perpetuação do desencanto geracional.
"Ante-sala", de Astrid Cabral
(poeta atuante desde os anos 60),
pertence a outro registro. Mais solene, não raro deriva para um tom
grandiloqüente (interjeições, flexão
retórica de verbos na segunda pessoa), porém condizente com o tema
da aproximação do fim, que domina
o livro e é responsável por seus melhores momentos: "Imóvel nos gonzos/ não logramos mover/ a porta
chumbo da morte".
Dentre os poetas mais novos da
coleção estão Paula Padilha ("Tempo Inteiro", com versos que procuram conservar "a espessura do momento" em meio a anotações sobre
aspectos parciais de um cotidiano
entre o prosaico e o abstrato) e Solange Casotti (cujo "Tectônicas" é
um diário íntimo atravessado por
pequenas epifanias: "berros no chuveiro,/ teoremas matinais").
Merece especial atenção "Ao
Léu", de André Luiz Pinto. Autor de
dois livros notáveis -"Flor à Margem" e, sobretudo, "Primeiro de
Abril"-, trata-se de um caso raro de
poeta que consegue sustentar uma
contemplação da realidade social
sem cair na denúncia ou na identificação lacrimosa.
Incorporando sutis referências da
música popular ("às vezes me pego
cantando"), seu habitat poético é o
subúrbio carioca, cujos momentos
de lassidão ("Linda, atravessa a passarela/ a plataforma da estação Madureira") não mascaram "o outro lado do Rio/ o Rio que me afoga entre
os alambrados".
A recorrência temática, porém, jamais se sobrepõe à forma intensa,
quase corpórea, e à intensidade formal com que ele assume a tarefa de
"dizer e contar/ a fim de purgar/ toda a água e todo ódio/ das cumplicidades extras".
AO LÉU
Autor: André Luiz Pinto
Editora: Bem-Te-Vi
Quanto: R$ 19 (80 págs.)
Avaliação: bom
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