São Paulo, terça, 11 de agosto de 1998

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PROJETO
Álbum gravado na aldeia Boa Vista, em Ubatuba, une cinco tribos e apresenta ritmos tradicionais dos índios
CD é arma para preservar cultura guarani

Leonardo Colosso/Folha Imagem
Músicos de cinco aldeias guaranis ensaiando durante a gravação de CD com ritmos tradicionais, em Ubatuba


BRUNO GARCEZ
enviado especial a Ubatuba

Da última sexta-feira ao domingo, a aldeia Boa Vista, em Ubatuba (litoral norte de São Paulo), foi sede da gravação de um CD. Todos os músicos que tomaram parte da gravação eram índios guaranis.
Além dos índios da Boa Vista, habitada por cerca de 140 pessoas, participaram também guaranis de quatro aldeias: a Morro da Saudade, de Parelheiros, zona sul de São Paulo; a Rio Silveiras, de São Sebastião (SP); a Sapucaia, de Angra dos Reis (RJ), e a aldeia Jaraguá, do Pico do Jaraguá (SP).
O estúdio de gravação foi montado em um local sagrado para os guaranis: a casa da reza da aldeia, espécie de igreja, onde os índios celebram missas e cultuam a sua divindade máxima: Nhanderu, "o pai único que criou a Terra", na definição de Pedro Verá, pajé da aldeia Boa Vista.
O CD, que será lançado em novembro, integra o projeto Memória Viva Guarani, patrocinado pelo Secretaria de Estado da Cultura e pela Caixa Econômica Federal.
Na sexta, as gravações aconteceram pela manhã. O resto do dia foi dedicado a ensaios. Os índios apresentaram ritmos como o xondaró, que além de estilo musical é uma arte marcial que prepara as crianças da aldeia para a caça e para "não se cansarem muito no mato", explica o vice-cacique Luis Eusébio, da aldeia Sapucaia.
As crianças vestidas com cocares e colares se reúnem em uma roda e dançam ao som de uma batida repetitiva. Todos os estilos musicais dos guaranis, tanto o xandaru quanto as cantigas de roda infantis, têm pouca variação rítmica.
As canções são tocadas com violões e rabecas, acompanhados por instrumentos de percussão, como o anguapu, pequeno tambor cujo corpo é feito com casca de coco, e o baracá-mirim, chocalho feito com cabaça. As letras das músicas são sempre em guarani.
O responsável pela formação musical das crianças da aldeia Boa Vista, Maurício Veramirim, diz que ensinar música é um meio de manter viva a cultura guarani.
"Queremos preservar nossa música, porque ela representa a esperança. Cantamos pedindo a Nhanderu que ele nos indique a terra sem mal", diz Veramirim, fazendo menção a um dos mitos em que os guaranis acreditam: a busca por um paraíso na Terra.
Os guaranis, de um modo geral, falam mal o português e usam o idioma guarani a maior parte do tempo. Na escola localizada na aldeia, as crianças aprendem apenas guarani na primeira e na segunda séries e na terceira é instituído o ensino de português.
Segundo a professora Daisy Moreira, a maior dificuldade em dar aulas para as crianças da aldeia é a ausência de livros em guarani. Para sanar o problema, ela está criando cartilhas na língua.



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