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TEATRO
Cibele Forjaz dirige espetáculo baseado em Büchner
Cia. Livre rebate a "ditadura da violência" com a peça "Danton"
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A revolução vai à guilhotina no
espetáculo "Arena Conta Danton". A Cia. Livre olha para a história da humanidade e constata
que o ímpeto de transformação
social e política, cultivado pelo
menos desde o século 18, estaria
numa encruzilhada: a "ditadura
da violência".
Personagens e ideais da Revolução Francesa (1789), flagrados em
"A Morte de Danton", a peça do
alemão Georg Büchner, são projetados para o cotidiano da barbárie
à luz, por exemplo, do extermínio
de moradores de rua ou do cerco
terrorista à nova (velha) ordem
mundial. No palco do Teatro de
Arena Eugênio Kusnet, em São
Paulo, os revolucionários Danton
(1760-94) e Robespierre (1758-94)
giram a roda da história e roçam
contradições em meio à sedução
da Liberdade, da Igualdade e da
Fraternidade, todas convertidas
em carne e osso.
"Arena Conta Danton" entra
em cartaz hoje, exatos três anos
depois dos ataques às Torres Gêmeas e ao Pentágono. O urgente
projeto da encenadora Cibele
Forjaz, dos atores e da equipe da
Cia. Livre, com dramaturgia de
Fernando Bonassi, colunista da
Folha, constitui visita à obra de
Büchner (1813-37) com a gana de
provocar incômodo e reflexão.
O problema-chave, diz Forjaz,
37, é que "o revolucionário se
converteu naquele que mata para
impor a sua idéia". O paradigma é
a eliminação do outro. Danton
discordava da repressão no período do Terror (set. de 1793 a jul. de
1794). Pedia moderação. Daí o
conflito com Robespierre, revolucionário a quem ajudou na abolição da monarquia. Danton foi
guilhotinado. Depois, rolou a
própria cabeça de Robespierre.
Em suma, a luta pelo poder.
"Hoje em dia a palavra está banalizada, todo mundo quer ser revolucionário. No Brasil, ela foi
usada pela esquerda e pela direita.
Qualquer mudança virou revolução", diz Forjaz.
Büchner aponta esses paradoxos na peça que escreveu aos 22
anos, cerca de dois antes de morrer. Ele mesmo estava desiludido.
À época, era perseguido por redigir panfletos políticos contra o
derrame de sangue. Se em "Woyzeck", também montado por Forjaz, no Rio, Büchner expunha a
tragédia de um ex-soldado e indigente explorado, decapitado ao
matar sua mulher por ciúmes, em
"A Morte de Danton" o ceticismo
tampouco dá brecha.
Mas há quem enxergue força-motora. "É preciso esquecer tudo,
começar de novo, do zero. Talvez
seja isso que Büchner sussurre,
grite", diz Forjaz.
O dramaturgo convidado contrapõe com pá de cal. "A história
provará que os miseráveis do Texas, da Letônia, do Paraguai ou do
Brasil estão na mesma merda, essa a vantagem da globalização",
diz Bonassi, 41.
Há cerca de oito anos, a cia. do
Latão montou no Arena uma versão da peça "menos melancólica,
que problematizava a visão de
que não havia saídas", diz o dramaturgo Márcio Marciano, 42.
Na releitura da Cia. Livre, é
"matar ou morrer". Luciano Chirolli e Eucir de Souza decidem
quem vai interpretar a "fisionomia moral" de Robespierre ou o
atavismo de Danton. Há dupla de
atores para cada personagem, no
sistema coringa que Augusto Boal
formulou (o narrador reveza com
outros papéis, reforçando o distanciamento que Brecht reivindicava para a fruição do público).
A Cia. Livre reata com a tradição
de montagens daquela época, como "Arena Conta Zumbi" e "Arena Conta Tiradentes", ambas dirigidas por Boal, em plena ditadura
militar. E encontra nos textos-fragmentos de Büchner a dimensão épica para sublimar o jogo
teatral, no qual os atores se despem de suas máscaras e, como os
personagens, olham nos olhos. A
proximidade é reforçada pela recuperação do formato original do
Arena, círculo que não deixa
meio-termo para a verdade.
"O que posso fazer para impressionar vocês", diz Souza/Danton,
antes da guilhotina, balbuciando
o desalento do ator/personagem
com o recente massacre numa escola russa.
ARENA CONTA DANTON. De: Georg
Büchner. Tradução: Christine Röhrig.
Dramaturgia: Fernando Bonassi. Direção:
Cibele Forjaz. Cenografia e figurinos:
Simone Mina. Com: cia. Livre (Edgar de
Castro, Eucir de Souza, Flávio Rocha,
Luah Guimarãez, Luciano Chirolli,
Maurício de Barros e Tatiana Thomé).
Onde: Teatro de Arena Eugênio Kusnet (r.
Teodoro Baima, 94, centro, tel. 0/xx/11/
3256-9463). Quando: estréia hoje, às
21h; qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h; até
19/12. Quanto: pague quanto der.
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