São Paulo, sábado, 11 de setembro de 2010

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"Carta Aberta" revelou antes o que história confirmou

LUÍS EBLAK
DE SÃO PAULO

Se "Operação Massacre" projetou o trabalho de Walsh, "Carta Aberta de Um Escritor à Junta Militar" é uma obra documental que encerrou sua carreira e vida.
Assinado em 24/3/1977 -data do primeiro aniversário da ditadura militar argentina (1976-1983)-, o texto foi enviado para a imprensa do país e a do exterior. Expôs, com precisão incrível para a época, diversas verdades escondidas pelo governo.
Já no dia seguinte, Walsh se tornou um dos 30 mil desaparecidos daquele curto e cruel regime. Foi perseguido, sequestrado e levado para a temida Esma (Escola de Mecânica da Armada) -centro de detenção e tortura.
Incluída como anexo desta edição de "Operação", a carta denuncia a repressão militar -"15 mil desaparecidos, 10 mil presos, 4.000 mortos"-, a prática de jogar corpos de opositores ao mar e o fracasso da economia "ditada pelo FMI" -"400%" de inflação.
Também citou mortes de estrangeiros relacionadas, sabe-se hoje, à Operação Condor (plano integrado de governos militares da América Latina contra opositores).
Provavelmente o descobridor de Walsh no Brasil, Marcos Faerman (1943-1999) escreveu, em "Versus" -jornal da imprensa alternativa que circulou de 1975 a 1979-, que o argentino também fez jornalismo investigativo antes mesmo de esse conceito ser inventado nos anos 1970.
Explica-se: Faerman e a turma de "Versus" se impressionavam com o compromisso de Walsh na busca da verdade, mesmo que ela pudesse lhe custar a vida.
Na "Carta", Walsh escreveu que seu compromisso era "testemunhar momentos difíceis", o que Faerman chamava de "consciência". "A consciência dói, às vezes mata", escreveu ele após o "sumiço" de Walsh. No caso da carta, "doeu e matou".
"Carta Aberta de Um Escritor à Junta Militar" não mudou a história argentina. Repercutiu na opinião pública mundial, mas a ditadura daquele país não se tornou menos genocida do que já era. Mas antecipou coisas que a história confirmaria depois.


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