São Paulo, sexta, 11 de setembro de 1998

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Indústria musical ignora artista fundamental

do enviado ao Rio

O Brasil é pródigo em casos assim -para que um brilhe, o ao lado tem de ser ofuscado. Assim seadmira Tim Maia e se esquece deCassiano, João Gilberto ocultaJohnny Alf, Gilberto Gil se recolhepara Caetano Veloso aparecer,Caetano e Gil soterraram GeraldoVandré e Wilson Simonal... E assim o mito Roberto Carlos joga fumaça no rosto de Erasmo Carlos.
Acontece que Erasmo, hoje exilado, representa ao Brasil algo quejamais poderia ser deixado ao relento. Afora uns poucos pré-históricos -Tony Campello, SérgioMurillo, Ronnie Cord-, ele -enão Raul Seixas, como a convenção manda pensar- é o pai dorock nacional.
Nessa qualidade, sua obra adquire vida própria, que em nada tangencia o processo de cafonizaçãoem que Roberto teima jogar a sipróprio. Nunca se pensa assim sobre Erasmo, mas aqui há uma trajetória ímpar no pop nacional, distante anos-luz de côncavos & convexos, baleias, guerras de meninos.
Sim, no começo eram a jovemguarda, os carangos, a ingenuidade dó-ré-mi. Mas, quando, em 68,o iê-iê-iê ruiu, Erasmo, sentado àbeira do caminho, se lançou numanova e notável aventura.
Antecipou seu amigo, influenciador e influenciado, Tim Maia- que só chegaria ao disco em70- e se tornou, também, pai dasoul music brasileira (OK, nessaépoca bem acompanhado por Roberto e, até, por Elis Regina).
Daí nasceu uma série de LPs antológicos -"Erasmo Carlos" (68),"Erasmo Carlos e Os Tremendões"(69), "Carlos, Erasmo..." (71), "Sonhos e Memórias" (72), "1990 - Projeto Salva Terra" (74), "Bandados Contentes" (76), "Pelas Esquinas de Ipanema" (78), o estelar"Erasmo Carlos Convida..." (80). Soul music e rock'n'roll em altavoltagem.
As gravadoras por que passoumantêm-se cegas, surdas e mudasdiante do tesouro. Promessas àparte, nenhum desses discos podeser ouvido em CD. Erasmo, paraRGE, PolyGram e Sony, é figuraque não existe, mera quimera.
A PolyGram, detentora do maisimportante catálogo de MPB dos70, só o revolve se a aposta for certa-caso de cadáveres vendáveis como Elis e Cazuza. Entre os esquecidos, contam-se Nara Leão, Tim,Sérgio Sampaio (cadáveres nãovendáveis), os vivos Macalé, Wanderléa, Cassiano, outros tantos.
Não se percebe que a manutenção de estoques limítrofes da obrade artistas como Erasmo não é favor, é preservação da cultura nacional -ainda que a caixa registradora não cante. Para compensar"prejuízos", cantam Carla Perez,Sheila Mello e outros hitmakers.
Por essas e outras, carreiras vão àmíngua. É claro que o próprioErasmo se deixou esmorecer emmeio a tantas iniciativas de ocultação. Mas que a indústria burra batapalmas a seu desânimo e cuspa emseu passado não é apenas lamentável. É um vexame. (PAS)



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