São Paulo, Segunda-feira, 11 de Outubro de 1999
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Dono do "palácio encantado" começou como mascate

do Banco de Dados

O descendente de libaneses João Saad começou a vida como grande parte da comunidade árabe: trabalhando como mascate, vendendo cortes de tecidos em cidades do interior. Em poucos anos, viria a se tornar dono de uma das maiores redes de rádio e TV do país, a Rede Bandeirantes.
João Jorge Saad nasceu em 22 de julho de 1919 em Monte Azul Paulista (SP), hoje Olímpia. Era filho de Raquel Amate Saad e Jorge João Saad, que havia começado a vida no Brasil como mascate. Três anos depois do seu nascimento, mudaram-se para São Paulo, e seu pai abriu uma loja de tecidos na rua 25 de Março, que reúne lojas de comércio popular.
Depois que concluiu o antigo ginásio (hoje equivalente ao ensino fundamental), João Saad foi trabalhar com o pai. Aos 17 anos, começou a viajar para vender tecidos no interior de São Paulo e no sul de Minas Gerais e comprou seu primeiro carro, um Ford 29.
Com 25 anos, conheceu Maria Helena Mendes de Barros, filha do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros. Casaram-se dois anos depois e tiveram cinco filhos: Maria Leonor, João Carlos -conhecido como Johnny-, Ricardo, Marisa e Márcia.
Eleito em 1947 governador de São Paulo, Adhemar de Barros ofereceu um cartório ao genro, que, para surpresa do sogro, recusou. Logo depois, Adhemar pediu que ele fosse resolver alguns problemas na rádio Bandeirantes, que ele havia comprado de Paulo Machado de Carvalho, na época dono da Record.
Em 1950, a rádio apoiou as campanhas vitoriosas de Getúlio Vargas, para a Presidência da República, e de Lucas Nogueira Garcez, para o governo do Estado. Um ano depois, João Saad fez um trato com o sogro: ele assumiria definitivamente a rádio e ajudaria Adhemar de Barros nas suas futuras campanhas.
Quando Adhemar assumiu a Prefeitura de São Paulo, em 57, João Saad foi nomeado presidente da CMTC. Foi a sua única passagem por cargo público. Sua gestão durou pouco porque trombava frequentemente com o sogro. Não aceitava indicação de apadrinhamentos.
Já a rádio Bandeirantes, sob seu comando, começou a se estruturar como rede. Foram compradas estações no interior e em outros Estados. Em 1952, João Saad conseguiu com o presidente Getúlio Vargas a concessão de um canal de televisão em São Paulo.
Durante o governo Juscelino (56-61), a concessão chegou a ser cancelada e entregue a outro empresário. Mas Saad conseguiu, já na época do governo João Goulart (61-64), recuperar a TV.
Em 1967, a TV Bandeirantes começou a operar. O prédio da emissora, primeiro no país a ser concebido para receber uma TV, levou cerca de cinco anos para ser construído e ficou conhecido como o "palácio encantado". Saad adiou várias vezes o início das operações: "Não era ainda o tempo... Inaugurei a estação só em 67, fincada numa base sólida", disse.
Quando a TV Bandeirantes foi fundada, já existiam as TVs Cultura, Record e as extintas Tupi, Excelsior e Paulista.
Dois anos depois, João Saad teria sido aconselhado por uma cartomante a vender a emissora por prever um incêndio. Em entrevista, ele teria dito que não acreditou porque achou que ela estivesse a serviço de algum concorrente.
Coincidência ou não, a empresa pegou fogo três dias depois. O incêndio, que teria sido criminoso, destruiu o prédio e todo o equipamento. O prejuízo foi grande, já que não havia seguro. Mas Saad soube tirar proveito da situação. Em vez de comprar novos equipamentos em preto-e-branco, a Bandeirantes foi a primeira a ter equipamento para TV em cores e saiu da crise em vantagem.
A Bandeirantes investiu desde o início em esporte, filmes e jornalismo. Para Saad, a programação tinha de ser "eclética". Segundo ele, não se podia "elevar muito o nível dos programas, senão não haverá audiência".
Atualmente, a Rede Bandeirantes é formada por 11 emissoras próprias e 68 afiliadas que cobrem 94% do território nacional. É a segunda rede em número de emissoras do país. Também faz parte dela o Canal 21, aberto, com transmissão em UHF.
A Rede Bandeirantes de rádio cobre cerca de 90% do território nacional, com oito emissoras AM próprias e 16 FM.
João Saad tinha não só senso de oportunidade comercial, mas também habilidade para transitar no meio político. Ele adequou seu discurso público à realidade histórica do momento. Em 1972, por exemplo, durante o regime militar (1964-85), disse que a censura oficial "deve e precisa existir, para a defesa da família, das instituições e do menor".
Apesar de cultivar relações com políticos mais conservadores, como Paulo Maluf, Orestes Quércia e José Sarney, durante o regime militar abriu espaço em sua TV para longas entrevistas com líderes de oposição, como o então secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, Luís Carlos Prestes, e Leonel Brizola.
Já em 87, em plena redemocratização, pediu em um discurso: "Menos Estado e mais indivíduo, menos Estado e mais sociedade, menos Estado e mais liberdade". Saad classificava sua emissora de "apolítica". "A dívida que tinha com meu sogro paguei mil vezes. Depois, a Bandeirantes não fez mais campanha política", dizia.
Nas campanhas para eleições de presidente, governador ou prefeito, a Bandeirantes liderou os debates e abriu espaço para a oposição se manifestar.
João Saad era conhecido na Bandeirantes por ter sempre a porta aberta para funcionários de qualquer escalão.
Também tinha a fama de cobrar de seus auxiliares erros cometidos no noticiário da rádio Bandeirantes nos horários mais improváveis, inclusive de madrugada.
Podia acompanhar toda a programação da emissora porque era caseiro, avesso às badalações. Seu passatempo preferido era visitar suas fazendas e, enquanto a saúde permitia, costumava fazer esses passeios pilotando o próprio avião.
Em 1985, teve uma de suas fazendas, a Vereda Grande, desapropriada pelo Incra. Foi a primeira fazenda em Minas Gerais a ser desapropriada para a reforma agrária.
Em maio de 1993, João Saad foi operado pelo cardiologista Adib Jatene para o implante de quatro pontes de safena -único problema sério de saúde que teve nos seus 80 anos de idade. Três anos depois, sua mulher, Maria Helena, morreu de câncer.



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