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FILOSOFIA
Crítico dos pensadores de Frankfurt, intelectual alemão vem a São Paulo participar de debate e lançar livro
Honneth esquadrinha "déficit sociológico"
MARCOS NOBRE
LUIZ REPA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Figura mais destacada do que
pode ser chamada a "terceira geração" da Escola de Frankfurt,
Axel Honneth chega na segunda a
São Paulo para lançar o livro "Luta por Reconhecimento - A Gramática Moral dos Conflitos Sociais" (Editora 34). Honneth participa, em seguida, de debate sobre sua "Teoria do Reconhecimento", no Instituto Goethe.
Honneth dirige o Instituto de
Pesquisa Social, instituição fundada por intelectuais de esquerda
nos anos 20 e que daria guarida
aos pensadores frankfurtianos
(entre eles Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Erich
Fromm), que procuraram repensar as contribuições da filosofia
alemã, de Marx e da psicanálise, a
fim de estudar e criticar o capitalismo no século 20.
Foi assistente de Jürgen Habermas, o filósofo frankfurtiano da
"segunda geração", entre 1984 e
1990. Honneth, que nasceu em
1949, hoje dá aulas de filosofia social na Universidade Johann
Wolfgang Goethe de Frankfurt.
Entre seus principais trabalhos,
estão "Kritik der Macht. Reflexionsstufen einer kritischen Gesellschaftstheorie" (Crítica do poder. Estágios de reflexão de uma
teoria social crítica) e "Luta por
Reconhecimento. A Gramática
Moral dos Conflitos Sociais" (92).
No dia 14, Honneth faz conferência no Ciclo Adorno, também no
Goethe, e, no dia 15, fala na Universidade Federal do Rio.
Na entrevista a seguir, Honneth
fala sobre a "Teoria do Reconhecimento" e faz uma crítica aos
pensadores de Frankfurt.
Folha - No livro "Crítica do Poder"
o sr. fala de um "déficit sociológico" da Teoria Crítica. O que é essa
deficiência em Adorno, Horkheimer, Habermas e Foucault?
Axel Honneth - Minha crítica de
que os projetos clássicos da Teoria Crítica, chegando a Foucault,
apresentam um déficit sociológico, possui uma rota de choque diferente em cada caso. Em relação
a Adorno e Horkheimer, continuo convencido de que suas teorias da sociedade subestimam o
sentido próprio do mundo da vida social. Eles não atribuem às
normas morais nem às operações
interpretativas dos sujeitos papel
essencial na reprodução da sociedade. Ambos tendem a um funcionalismo marxista: a socialização, a integração cultural e o controle jurídico possuem meras funções para a imposição do imperativo capitalista da valorização.
Em Habermas isso é diferente.
Ele parte justamente da racionalidade comunicativa do mundo da
vida social. Por isso eu vejo o seu
déficit sociológico inscrito na tendência a subestimar em todas as
ordens sociais o seu caráter determinado por conflitos e negociações. Foucault, finalmente, tende
a um déficit sociológico porque
ele abandona a intuição central de
Durkheim, segundo a qual toda
ordem de poder carece do assentimento normativo dos membros
da sociedade na forma de um
consenso. Essas distintas versões
de um déficit sociológico na tradição da Teoria Crítica da sociedade
só podem ser superadas quando
se coloca no centro da vida social
um conflito insolúvel por reconhecimento. Assim, o consenso
moral e a luta social podem ser
considerados estágios diferentes
no processo de reprodução dos
mundos da vida sociais.
Folha - Para o sr., o teórico crítico
tem de possuir um ancoramento na
sociedade, onde se buscam os elementos normativos que dão vida e
sentido crítico à teoria. Esse ancoramento pode dispensar uma análise do capitalismo, visto que tal
análise em sentido estrito não está
em "Luta por Reconhecimento"?
Honneth - Não, não creio. Parto
do princípio de que a crítica social
só pode se ligar de maneira imanente às exigências morais e às experiências de injustiça em uma situação dada quando ela é capaz
de analisar a gênese e o lugar delas
no quadro de uma análise abrangente da sociedade. E para tal análise eu não vejo ainda nenhum
ponto de partida melhor do que
uma teoria que comece pelo estado social definido por uma prioridade estrutural dos imperativos
capitalistas de valorização.
Folha - O sr. distingue três dimensões do reconhecimento: "amor",
"direito" e "solidariedade". Elas
possibilitam aos sujeitos, respectivamente, a autoconfiança, o auto-respeito e a auto-estima. A relação
entre essas dimensões seria de subordinação ou de coordenação?
Poderia haver um conflito entre a
esfera do direito e a da solidariedade, ligada aos valores de uma determinada sociedade?
Honneth - A questão aborda dois
problemas diferentes, que vou
tentar responder em separado.
Primeiro a questão de qual espécie de ordem genética ou lexical
existe entre as distintas esferas de
reconhecimento. Existe, a meu
ver, uma primazia genética da
primeira forma de relação de reconhecimento, isto é, da autoconfiança possibilitada pelo amor e
pela assistência. Sem a experiência dessa forma de reconhecimento, nenhum sujeito poderia constituir uma identidade estável e
uma personalidade intacta. No
entanto, outra coisa se passa com
a ordem "lexical". Eu afirmaria,
pelo menos para as sociedades
modernas, uma primazia da relação jurídica de reconhecimento.
Ela, a princípio, exorta todos os
sujeitos, de maneira igual, ao respeito mútuo e, por isso, possui a
maior força de inclusão.
Sobre o segundo aspecto da
questão, pode-se dizer que tanto
da perspectiva do sujeito quanto
da perspectiva da sociedade, são
possíveis conflitos entre as exigências morais das diversas relações de reconhecimento. Eles só
podem ser solucionados privilegiando-se as relações jurídicas.
Folha - O sr. teve uma discussão
com a filósofa americana Nancy
Fraser. Para ela, é preciso complementar o conceito de reconhecimento com o de redistribuição,
proposta que o sr. rejeitou porque
as questões de justiça distributiva
seriam tratadas melhor no quadro
da Teoria do Reconhecimento.
Qual é o seu balanço a respeito?
Honneth - Nas questões normativas concordamos em mais coisas do que era claro de início. Nós
dois entendemos que o objetivo
da justiça social é possibilitar uma
participação de todos os membros da sociedade no processo comunicativo da vida da sociedade.
Contudo cada um de nós soletra
essas condições de maneira diversa. Eu, com os conceitos de uma
teoria do reconhecimento; Nancy
Fraser, com uma teoria da participação. Em relação à questão central, redistribuição ou reconhecimento, a diferença consiste em
que eu vejo somente a possibilidade de justificar as finalidades da
redistribuição com as categorias
do reconhecimento social.
Folha - Como o sr. avalia o estado
atual dos estudos sobre Adorno?
Honneth - No começo do Congresso Internacional Adorno deste ano, eu havia chamado a atenção para aquilo em que residia a
diferença essencial na recepção de
Adorno entre 1983 e 2003. A conferência de 20 anos atrás se apoiava em uma discussão viva sobre
Adorno, que no entanto não recebeu nenhum suporte por parte da
elite política. Neste ano aconteceu
o contrário. Quase não existe
mais uma discussão viva, fecunda
também em termos acadêmicos,
com a obra de Adorno. Por outro
lado, sua pessoa foi eleita praticamente como o superego moral da
nação por parte da esfera pública
política e midiática. Nesse sentido
eu tive de fazer a difícil tentativa
de realçar, justamente em tempos
de indiferença acadêmica, o potencial teórico da obra de Adorno.
Folha - Quais as linhas de pesquisa que estão sendo desenvolvidas
no Instituto de Pesquisa Social?
Honneth - Tenho seguido o programa de uma ampliação interdisciplinar das perspectivas de
pesquisa. Investigamos os processos de transformação que eu gostaria de compreender como "paradoxos da modernização capitalista", incluindo a psicanálise, a
sociologia do direito e a história
econômica.
Marcos Nobre é professor de filosofia
da Unicamp e pesquisador do Cebrap;
entre outros livros, publicou "A Dialética
Negativa de Theodor W. Adorno" (ed.
Iluminuras/Fapesp)
Luiz Repa é mestre em filosofia (USP) e
doutorando pela mesma universidade
LUTA POR RECONHECIMENTO - A
GRAMÁTICA MORAL DOS CONFLITOS
SOCIAIS. Autor: Axel Honneth. Editora:
34. Quanto: R$ 36 (296 págs.)
Lançamento: segunda, às 19h (haverá
debate com Honneth, Gabriel Cohn
(USP), Marcos Nobre (Unicamp), Ricardo
R. Terra (USP e Cebrap) e Sergio Paulo
Rouanet (Itamarati). Onde: Instituto
Goethe (r. Lisboa, 974, São Paulo, tel. 0/
xx/11/ 3088-4288)
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