São Paulo, terça-feira, 11 de outubro de 2005

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LITERATURA

Paulo Nogueira, um dos convidados da 1ª Festa Portuguesa de Cabo Frio, divide-se entre origem lusa e brasileira

Feira amplia elo entre países da língua portuguesa

JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

Contrariando as mais recentes e comprovadas constatações dos geólogos, os continentes americano, europeu e africano estão se aproximando, e num ritmo mais acelerado do que os tais dois centímetros ao ano. Mas não, não por iniciativa de suas respectivas placas tectônicas, e sim pela vontade de alguns editores, escritores e amantes dos livros em geral que, mais modestos, têm se esforçado sobremaneira para unir ao menos os falantes de língua portuguesa.
Exemplo disso, para além das inúmeras publicações trilaterais que têm tomado o mercado, é a 1ª Festa Portuguesa de Cabo Frio, que começa hoje e vai até domingo, reunindo escritores portugueses, brasileiros e angolanos para conversar sobre a literatura e tudo o que orbite em seu entorno -por exemplo, a língua. Portugal representado por escritores como Inês Pedrosa e Helder Macedo. O Brasil, por Luiz Ruffato, Ivan Junqueira e Adriana Lisboa, entre outros. Dos nascidos em Angola, Manoel Rui Monteiro e Filipa Melo.
E, no meio deles todos, camuflando-se em diversos sotaques, uma figura peculiar, híbrida, que não surpreende tenha se tornado, com as inevitáveis modificações, personagem de romance de sua própria autoria. Trata-se do escritor Paulo Nogueira, nascido em São Paulo, mas de cá emigrado há 20 anos para Portugal, onde já publicou seis livros e fez por merecer a alcunha de escritor português, mesmo nunca tendo adotado essa outra nacionalidade.
Seu mais recente romance, "Transatlântico", depois de outros tantos ambientados em Portugal, conta a história de um sujeito que se divide entre essas mesmas origens e, mais complicado ainda, entre uma mulher brasileira e outra portuguesa. O título, propositalmente ou não, se não marca um retorno físico do autor à sua terra natal, ao menos reflete o de seus livros. Em junho deste ano, foi lançado por aqui -em linguagem minimamente abrasileirada pelo próprio Nogueira- o romance "O Suicida Feliz" (Planeta, R$ 34,90, 232 págs.), que, diferente do que o autor esperava, apenas agrava sua esquizofrenia de nacionalidades. O lançamento faz parte da coleção "Tanto Mar", dedicada a autores portugueses. Na ficha técnica, as diretrizes para catálogo: "literatura brasileira".
A partir desse limbo privilegiado, é Nogueira quem fala sobre essa aproximação que tem havido no mundo das letras: "Indiscutivelmente aumentou bastante o intercâmbio. Sempre houve cerimoniais de grandes afinidades, fraternidades, maternidades entre Brasil e Portugal, mas que não passavam de retórica. Nos últimos tempos, sim, tem havido uma aproximação clara, principalmente devido à publicação de uma nova geração de autores portugueses por aqui". E não poupa palavras para descrevê-la: "É algo como um miniboom da literatura portuguesa, não tanto em termos comerciais, mas em termos críticos e editoriais".
Nogueira também aproveita para relatar diferenças na criação literária dos países, que no mínimo impediriam que tal movimento incidisse em confluência total e absoluta. "O português é mais retraído; o brasileiro, mais comunicativo. O escritor português, então, se ocupa mais das relações sentimentais. O brasileiro, de modo geral, parece buscar coisas mais picarescas, com mais verve."
De resto, não se espere dele uma síntese entre as posições. Nogueira identifica uma tendência do escritor à transnacionalidade, à não submissão a nichos. Em tempo: em "Transatlântico", entre a portuguesa e a brasileira, o personagem fica com a finlandesa.


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