São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 2006

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Tom Zé, 70

Para celebrar o aniversário, parceiros como David Byrne fazem perguntas ao músico, que lança CD, faz shows e é tema de filme

Caio Guatelli/Folha Imagem
Tom Zé, que celebra seus 70 anos com apresentações no Sesc Pinheiros de 20 a 22/10


RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Tropicalista, reinventor do samba, artista pop excêntrico, influenciador de inúmeros jovens artistas, pensador incansável, cantor cult esquecido, ícone da MPB. Tom Zé já fez muito e já foi muitos nos 70 anos que completa hoje. Mas uma coisa nunca mudou: a originalidade de sua obra. Lançando disco "sem palavras", "Danç-êh-Sá", para marcar o anunciado fim da canção, fazendo show comemorando o lançamento e o aniversário, estrelando documentário sobre sua vida e obra, Tom Zé não chegou aos 70 anos impunemente, nem a música brasileira mexida e remexida por ele.
Para marcar a data, a Folha convidou nove amigos, fãs e parceiros a dizer o que gostariam de perguntar a Tom Zé na data de seus 70 anos.
Feitas as perguntas, as respostas do compositor -nascido na pequena cidade de Irará, no interior da Bahia, e radicado em São Paulo- você lê na entrevista a seguir.
 

DAVID BYRNE - Por que muitas vezes são as pessoas do interior, de cidades pequenas, que fazem a revolução? Tem algo da sensação de um garoto do interior descobrindo o mundo que nunca vai embora? TOM ZÉ - Dizem que o Nordeste não tem terremoto. Mas tem uma força tão forte lá debaixo da terra que o Nordeste está eternamente trepidando a três graus da escala Richter, uma central atômica, que é o folclore. Eu, Caetano e Gil nascemos sob a égide dessa força, dessa enorme condensação cultural.
E não era nem literário -era no visual, no gesto, na dança, no canto e na palavra falada. Uma visão de mundo diferente. Talvez por isso seja mais fácil para os tropicalistas compreender a segunda revolução industrial.

ZÉ MIGUEL WISNIK - O que é São Paulo na sua vida?
TOM ZÉ -
Não tenho essa coisa filosófica de aceitar um lugar como uma coisa mítica, mas aqui em São Paulo eu passei a ter uma profissão, um casamento, um CPF, passei a contribuir com INSS. Tudo isso vai transformando a pessoa num cidadão, então São Paulo me deu uma cidadania.

JOHN ULHÔA - Canções construídas de uma maneira mais tradicional, delicadas, ainda têm espaço em seu trabalho, que se afirma em sua vertente mais experimental?
TOM ZÉ -
Tenho algumas músicas mais melódicas na minha carreira, mas não sou bom no contemplativo. Às vezes o contemplativo vem a mim, mas é de dez em dez anos. Eu só sou bom no cognitivo. Por isso que você tem que esperar dez anos para ouvir uma música minha que é quase melódica, quase contemplativa [risos].

MAX DE CASTRO - Por que você acha que o mesmo trabalho que o colocou no ostracismo nos anos 70 tenha sido aceito como clássico anos depois -e tenha sido o mesmo trabalho que o tirou do ostracismo?
TOM ZÉ -
Não me queixo de mercado, de público, de nada, eu aceito as regras. Então, tem uma coisa aí que tem que ser minha culpa, de não assumir e ser dono de minha obra. Eu estava fraco, depauperado, sem capacidade de assumir o que eu mesmo fazia. Não é o sistema nem a música que eu fiz. Foi eu ter me recolhido como se estivesse assombrado com o sucesso que eu tinha feito, como se eu sentisse culpa do sucesso.

ELIFAS ANDREATO - Para mim, a principal questão a ser feita a Tom Zé é: você se sente ressarcido do calote que lhe deram os tropicalistas?
TOM ZÉ -
No Oriente se diz que quando um amigo seu quer se afogar, você não pode tentar salvá-lo, caso contrário morrem os dois. Isso é algo importantíssimo, e os meninos sabiam disso por intuição. Era interessante se livrar de um complicador como eu, como Caetano disse agora no documentário feito sobre mim. Mas eu não tenho queixa de Gil nem de Caetano. Queixa de quê, meu Deus? Ninguém pode imaginar a felicidade que eu tive nascendo perto dessas pessoas. Caetano foi quem me trouxe para São Paulo, literalmente, dentro de um avião. Aqui em São Paulo ele me botou trancado dentro de um quarto e tocou o disco "Sgt. Pepper's" [Beatles] -ele sabe que eu não ouço música- e me traduziu música por música, palavra por palavra. E me levou para ver Zé Celso fazendo o "Rei da Vela". Ele realmente queria me botar dentro das coisas mais importantes que estavam acontecendo. Uma coisa extremamente carinhosa.


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