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Crítica/teatro/"Brincando em Cima Daquilo"
Bloch merecia mais do que repetir sua imagem televisiva
Em adaptação de textos de Dario Fo, atriz fica aquém de seu talento; direção e dramaturgia também decepcionam
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Monólogos têm sido
habituais no teatro
brasileiro recente,
principalmente no Rio de Janeiro, de onde vem "Brincando
em Cima Daquilo". Tantos atores dispostos a vôos solos poderia ser um sinal de vitalidade.
Mas, como uma andorinha não
faz o verão, o teatro é obra coletiva e o espetáculo, mais do que
o ator que o carregue, é a prova
dos nove.
Os três monólogos de Dario
Fo e Franca Rame encenados
são do espetáculo "Tutta Casa,
Letto e Chiesa" (a casa toda,
quarto e igreja), de 1977. Realizado em Milão, consolidou o
casamento artístico de Fo e Rame e abriu para eles as portas
de todos os teatros do mundo,
inclusive os do Brasil. No caso
da atual montagem, a direção
de Otávio Muller não ajudou a
atriz Debora Bloch a transformar as três narrativas eleitas
entre as originais numa encenação de verdade. Eliminou
monólogos e intercalou entre
os restantes números musicais.
A dramaturgia de Fo é centrada na arte de narrar que ele
traz do avô carroceiro. A comediante Rame descende de uma
trupe de commedia dell'arte. O
teatro dos dois é a união da oralidade popular com o desempenho do ator que incorpora
aquela narrativa. Daí, talvez, a
decisão de Muller de iniciar o
espetáculo na entrada do público, que é carinhosamente recebido pela atriz e acompanha
seus preparativos até que a história comece, como o próprio
Dario Fo costuma trabalhar.
No caso de Bloch, independente da cumplicidade conquistada e das novas investidas
que faz sobre o público, ela não
consegue instaurar sua presença na cena para além do registro familiar da TV, como a confirmar expectativas e evitar estranhamentos. Habituais aos
programas humorísticos, o tom
coloquial e a caricatura funcionam como um lacre a impedir
que se alcance qualquer emoção ou grandeza teatral.
Desperdício
Colabora nesta dificuldade a
opção de Amir Haddad, como
dramaturgo, de desmembrar
um dos monólogos -"Temos
Todas a Mesma História"- e
espaçá-lo entre outros dois
-"Uma Mulher Sozinha" e
"Volta ao Lar". Desperdiça-se
um dos textos mais inquietantes na função inglória de amarrar um todo informe. Talvez influa também o envelhecimento
dos temas, que nos anos 70
ecoavam a libertação da mulher e hoje soam bem menos
corrosivos, quase inocentes.
Mas é inevitável responsabilizar a direção, ou a falta dela,
por banalizar a encenação
mantendo-a no registro da
stand-up comedy e perdendo a
chance de tornar aquele encontro com o público, tão bem preparado, algo significante.
Há no cenário de Bia Lessa
-poucas caixas de som esburacadas e algumas telas penduradas- um aparente despojamento que se revelará, logo,
suntuoso e trafegará do chique
ao brega, sem deixar claro se
era essa a intenção. A trilha sonora de canções e sambas populares soa demagógica, ao tentar preencher o vazio espiritual
que se vai instaurando.
Debora Bloch é uma atriz de
talento, que desempenha todo
o tempo com muita técnica e
graça. O que falta a "Brincando
em Cima Daquilo" é revelá-la
no desafio de reinventar-se como atriz. Em sua maturidade,
ela merecia mais do que reproduzir em cena sua imagem da
TV. Simpatia e notoriedade não
fazem bom teatro. Há que se ir
mais fundo para oferecer ao público algo além da velha e boa
ração televisiva. O que faltou
em "Brincando em Cima Daquilo" foi potência cênica para
tornar a celebridade um personagem, ou a atriz célebre uma
mulher qualquer.
BRINCANDO EM CIMA DAQUILO
Quando: seg. a qua., às 21h30; até
29/10
Onde: teatro Shopping Frei Caneca (r.
Frei Caneca, 569, São Paulo, tel. 0/xx/
11/3472-2229)
Quanto: de R$ 65 R$ 70
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 16 anos
Avaliação: ruim
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