São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2008

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Crítica/teatro/"Brincando em Cima Daquilo"

Bloch merecia mais do que repetir sua imagem televisiva

Em adaptação de textos de Dario Fo, atriz fica aquém de seu talento; direção e dramaturgia também decepcionam

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Monólogos têm sido habituais no teatro brasileiro recente, principalmente no Rio de Janeiro, de onde vem "Brincando em Cima Daquilo". Tantos atores dispostos a vôos solos poderia ser um sinal de vitalidade. Mas, como uma andorinha não faz o verão, o teatro é obra coletiva e o espetáculo, mais do que o ator que o carregue, é a prova dos nove. Os três monólogos de Dario Fo e Franca Rame encenados são do espetáculo "Tutta Casa, Letto e Chiesa" (a casa toda, quarto e igreja), de 1977. Realizado em Milão, consolidou o casamento artístico de Fo e Rame e abriu para eles as portas de todos os teatros do mundo, inclusive os do Brasil. No caso da atual montagem, a direção de Otávio Muller não ajudou a atriz Debora Bloch a transformar as três narrativas eleitas entre as originais numa encenação de verdade. Eliminou monólogos e intercalou entre os restantes números musicais. A dramaturgia de Fo é centrada na arte de narrar que ele traz do avô carroceiro. A comediante Rame descende de uma trupe de commedia dell'arte. O teatro dos dois é a união da oralidade popular com o desempenho do ator que incorpora aquela narrativa. Daí, talvez, a decisão de Muller de iniciar o espetáculo na entrada do público, que é carinhosamente recebido pela atriz e acompanha seus preparativos até que a história comece, como o próprio Dario Fo costuma trabalhar. No caso de Bloch, independente da cumplicidade conquistada e das novas investidas que faz sobre o público, ela não consegue instaurar sua presença na cena para além do registro familiar da TV, como a confirmar expectativas e evitar estranhamentos. Habituais aos programas humorísticos, o tom coloquial e a caricatura funcionam como um lacre a impedir que se alcance qualquer emoção ou grandeza teatral.

Desperdício
Colabora nesta dificuldade a opção de Amir Haddad, como dramaturgo, de desmembrar um dos monólogos -"Temos Todas a Mesma História"- e espaçá-lo entre outros dois -"Uma Mulher Sozinha" e "Volta ao Lar". Desperdiça-se um dos textos mais inquietantes na função inglória de amarrar um todo informe. Talvez influa também o envelhecimento dos temas, que nos anos 70 ecoavam a libertação da mulher e hoje soam bem menos corrosivos, quase inocentes. Mas é inevitável responsabilizar a direção, ou a falta dela, por banalizar a encenação mantendo-a no registro da stand-up comedy e perdendo a chance de tornar aquele encontro com o público, tão bem preparado, algo significante. Há no cenário de Bia Lessa -poucas caixas de som esburacadas e algumas telas penduradas- um aparente despojamento que se revelará, logo, suntuoso e trafegará do chique ao brega, sem deixar claro se era essa a intenção. A trilha sonora de canções e sambas populares soa demagógica, ao tentar preencher o vazio espiritual que se vai instaurando. Debora Bloch é uma atriz de talento, que desempenha todo o tempo com muita técnica e graça. O que falta a "Brincando em Cima Daquilo" é revelá-la no desafio de reinventar-se como atriz. Em sua maturidade, ela merecia mais do que reproduzir em cena sua imagem da TV. Simpatia e notoriedade não fazem bom teatro. Há que se ir mais fundo para oferecer ao público algo além da velha e boa ração televisiva. O que faltou em "Brincando em Cima Daquilo" foi potência cênica para tornar a celebridade um personagem, ou a atriz célebre uma mulher qualquer.

BRINCANDO EM CIMA DAQUILO
Quando: seg. a qua., às 21h30; até 29/10
Onde: teatro Shopping Frei Caneca (r. Frei Caneca, 569, São Paulo, tel. 0/xx/ 11/3472-2229)
Quanto: de R$ 65 R$ 70
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 16 anos
Avaliação: ruim



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