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LIVROS
Crítica/"Cadernos Etíopes"
Na Etiópia, Duran tenta fugir de imagens de celebridades
Entre o jornalismo e a antropologia, livro do fotógrafo reúne 84 obras em PB
EDER CHIODETTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Uma incursão que busca
o ponto de equilíbrio
entre o olhar antropológico, a tradição do retrato e o
olhar fustigado da moda pode
ser uma tentativa de encontrar
o eixo sobre o qual se assenta
"Cadernos Etíopes", novo livro
do fotógrafo J. R. Duran, 56,
lançado recentemente pela editora Cosac Naify.
Conhecido pelo seu trabalho
voltado ao mercado editorial,
sobretudo de nus femininos e
moda, Duran tem realizado um
esforço para se livrar deste estigma que julga um tanto quanto redutor. Nos últimos anos,
trouxe a público fotografias de
ralis, escreveu dois romances,
passou a integrar o time de artistas da galeria Leme, em São
Paulo, lançou e editou entre
2000 e 2005 a revista "Freeze",
onde assinava fotos de suas viagens à África, que se tornaram
comuns a partir de 1999, com o
pseudônimo Rigel Dantas, denunciando ainda mais sua vontade de ser visto pelo público
como um outro.
"Cadernos Etíopes", além de
fazer parte deste projeto de tirar de foco o personagem fotógrafo-celebridade que o consagrou no mercado, narra em ritmo de diário sua aventura às
margens do rio Omo, na Etiópia, por 28 dias. Um complexo
planejamento estratégico foi
traçado para que o fotógrafo
pudesse ter liberdade de ação e
condições de trabalho, o que incluiu um guia que organiza excursões na região.
Trata-se de um ensaio fotográfico de difícil classificação.
O próprio fotógrafo diz não se
tratar de fotojornalismo e, de
fato, não é. Para tanto seria necessária narrativa mais sólida,
uma curiosidade que desvelasse de forma mais contundente
o dia-a-dia dessas pessoas. Para
aspirar a ser um estudo antropológico falta profundidade,
convivência, proximidade para
entender a fundo e então poder
representar modos de vidas e
culturas tão amplamente diferentes das de quem vive deste
lado do mundo.
Olhar que sensualiza
As 84 fotografias em preto-e-branco das tribos Karo, Dhasanech, Nyangatom, Hamer e
Mursi, na verdade, faz emergir
em J. R. Duran mais de J. R. Duran. Parece não haver pseudônimo, distância geográfica, viés
antropológico, ou seja lá o que
for, capaz de modificar a estética por ele construída ao longo
da vida para resolver o instante
em que uma câmera se interpõe entre ele e outro sujeito.
Estão ali, como estão em seus
conhecidos editoriais para revistas masculinas e femininas,
o olhar inequívoco que sensualiza sobremaneira os corpos e o
efeito da luz sobre os mesmos, a
frontalidade reveladora do
olho no olho, a valorização de
adornos, colares, maquiagem,
marcas típicas, que escondem-revelam os corpos, num jogo
lúdico que denota ao mesmo
tempo o desejo de aproximação
e decifração do universo simbólico do outro e a consciência
da impossibilidade de tal empreitada, que inevitavelmente
resvala para um olhar de superfície, para a constatação de uma
fratura irreconciliável entre
culturas divergentes.
J. R. Duran segue em seu barco sobre águas intermitentes,
por vezes turbulentas, buscando a terceira margem do rio para, enfim, ver o outro de forma
íntegra, até que ele próprio se
transforme no seu outro idealizado. Navegar é preciso.
CADERNOS ETÍOPES
Autor: J.R. Duran
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 65 (192 págs.)
Avaliação: regular
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