São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2008

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LIVROS

Crítica/"Cadernos Etíopes"

Na Etiópia, Duran tenta fugir de imagens de celebridades

Entre o jornalismo e a antropologia, livro do fotógrafo reúne 84 obras em PB

EDER CHIODETTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma incursão que busca o ponto de equilíbrio entre o olhar antropológico, a tradição do retrato e o olhar fustigado da moda pode ser uma tentativa de encontrar o eixo sobre o qual se assenta "Cadernos Etíopes", novo livro do fotógrafo J. R. Duran, 56, lançado recentemente pela editora Cosac Naify. Conhecido pelo seu trabalho voltado ao mercado editorial, sobretudo de nus femininos e moda, Duran tem realizado um esforço para se livrar deste estigma que julga um tanto quanto redutor. Nos últimos anos, trouxe a público fotografias de ralis, escreveu dois romances, passou a integrar o time de artistas da galeria Leme, em São Paulo, lançou e editou entre 2000 e 2005 a revista "Freeze", onde assinava fotos de suas viagens à África, que se tornaram comuns a partir de 1999, com o pseudônimo Rigel Dantas, denunciando ainda mais sua vontade de ser visto pelo público como um outro. "Cadernos Etíopes", além de fazer parte deste projeto de tirar de foco o personagem fotógrafo-celebridade que o consagrou no mercado, narra em ritmo de diário sua aventura às margens do rio Omo, na Etiópia, por 28 dias. Um complexo planejamento estratégico foi traçado para que o fotógrafo pudesse ter liberdade de ação e condições de trabalho, o que incluiu um guia que organiza excursões na região. Trata-se de um ensaio fotográfico de difícil classificação. O próprio fotógrafo diz não se tratar de fotojornalismo e, de fato, não é. Para tanto seria necessária narrativa mais sólida, uma curiosidade que desvelasse de forma mais contundente o dia-a-dia dessas pessoas. Para aspirar a ser um estudo antropológico falta profundidade, convivência, proximidade para entender a fundo e então poder representar modos de vidas e culturas tão amplamente diferentes das de quem vive deste lado do mundo.

Olhar que sensualiza
As 84 fotografias em preto-e-branco das tribos Karo, Dhasanech, Nyangatom, Hamer e Mursi, na verdade, faz emergir em J. R. Duran mais de J. R. Duran. Parece não haver pseudônimo, distância geográfica, viés antropológico, ou seja lá o que for, capaz de modificar a estética por ele construída ao longo da vida para resolver o instante em que uma câmera se interpõe entre ele e outro sujeito. Estão ali, como estão em seus conhecidos editoriais para revistas masculinas e femininas, o olhar inequívoco que sensualiza sobremaneira os corpos e o efeito da luz sobre os mesmos, a frontalidade reveladora do olho no olho, a valorização de adornos, colares, maquiagem, marcas típicas, que escondem-revelam os corpos, num jogo lúdico que denota ao mesmo tempo o desejo de aproximação e decifração do universo simbólico do outro e a consciência da impossibilidade de tal empreitada, que inevitavelmente resvala para um olhar de superfície, para a constatação de uma fratura irreconciliável entre culturas divergentes. J. R. Duran segue em seu barco sobre águas intermitentes, por vezes turbulentas, buscando a terceira margem do rio para, enfim, ver o outro de forma íntegra, até que ele próprio se transforme no seu outro idealizado. Navegar é preciso.

CADERNOS ETÍOPES
Autor: J.R. Duran
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 65 (192 págs.)
Avaliação: regular



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