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A CAVERNA DE SARAMAGO
Primeiro livro do próximo milênio será policial com Alexandre Dumas como protagonista
"A Caverna" é a minha despedida do século", diz escritor
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir a continuação da
entrevista com o escritor José Saramago.
(CEM)
Folha - Até que ponto o primeiro
Nobel da literatura portuguesa lhe
pesou ao construir "A Caverna"?
Saramago - Não pesou. Tenho
felizmente uma relação muito
pouco dramática com o meu trabalho. Eu entendo que depois do
prêmio eu compreenderia se ficasse bloqueado ou intimidado,
se ficasse pensando "e agora, o
que faço depois do prêmio, o que
todos irão pensar?". Tenho de dizer que nunca senti essa preocupação. Escrevi este livro com o
mesmo estado de espírito com
que fiz todos os outros. O livro
saiu como deveria ter saído e estou contente com ele, devo dizer.
Folha - Esse foi mesmo o livro em
que o sr. gastou menos tempo?
Saramago - Não tanto, mas é
certo que criei uma espécie de
aposta de mim comigo mesmo de
terminá-lo antes do fim do ano
2000. É uma espécie de despedida
do século. Vamos entrar com outras coisas. Sendo esse livro, como
os dois anteriores, um apanhado
de minha visão do mundo, eu
queria que ele saísse antes do novo século. Trabalhei mais rapidamente do que costumo, mas creio
que o resultado é satisfatório.
Folha - Como o sr. enxerga "A Caverna" em relação a sua obra anterior, em especial com "Ensaio sobre
a Cegueira" e "Todos os Nomes",
que o sr. já disse formarem uma espécie de trilogia?
Saramago - É uma trilogia involuntária. Quando estava a escrever "Ensaio" não tinha idéia do
que faria depois. Só quando estava fazendo "A Caverna" que me
apercebi que havia uma certa unidade entre eles. São livros com temas completamente diferentes
uns dos outros, mas que de qualquer forma permitiriam que o leitor soubesse o modo como o autor desses livros entende o mundo
de hoje. Não quer dizer que o leitor seja obrigado a partilhar da
minha visão. Ele sabe como o
mundo lhe parece.
Folha - No aspecto formal os três
livros usam como modelo a alegoria, a parábola. Por quê?
Saramago - Concordo. Pode parecer, e é uma crítica que eu aceitaria, que estou a recorrer a um
gênero literário que parecia ultrapassado, que havia ficado lá pelo
século 17 ou coisa que o valha.
Mas é verdade, e admito que possa estar enganado, que, se eu escrevesse esses três livros não recorrendo a essa forma metafórica,
as obras teriam muito menos força. Eu creio que, como tudo hoje
se pode contar, há uma certa banalização do realismo, embora
por outro lado os meus romances
sejam realistas. O fato é que recorro a um modo que chamamos de
alegoria por acreditar que há um
esvaziamento da forma realista
direta de contar as coisas. O "Ensaio sobre a Cegueira" teria muito
menos efeito se tivesse sido contado de modo comum.
Em "A Caverna", por exemplo,
note que o leitor só entra na caverna propriamente por volta da página 300 (das 350 do livro).
Folha - O sr. não sabe a ansiedade
que isso causa...
Saramago - Isso tudo foi muito
bem pensado (risos).
Folha - Na alegoria da caverna de
Platão, em que o sr. diz ter se baseado para fazer "A Caverna", há
aquele que sai da gruta e encontra
a realidade. Por que em seu romance não há esse personagem?
Saramago - A diferença nesse caso é que os habitantes da caverna
de Platão nunca saíram de lá. E
quando um deles sai, os outros
não acreditam nele. Na minha caverna, os personagens vão de fora
para dentro. Quando chegam lá
dentro compreendem que aquele
mundo não pode ser o deles. O livro vai em tendência contrária à
da sociedade atual. O autor deste
livro quer que voltemos as costas
para o que é cômodo, o que é errado. O autor quer que as pessoas
não renunciem a pensar no que
está a acontecer.
Folha - O sr. diz que nem a juventude sabe o que pode nem a velhice
pode o que sabe. O sr. vai finalmente terminar o projeto sobre o qual
sempre fala, o chamado "Livro das
Tentações", no qual contaria seus
primeiros 14 anos de vida? O sr. vai
usar a sabedoria dos anos para reconstruir sua própria juventude?
Saramago - Esse livro já não se
chamará "O Livro das Tentações". Deve virar "O Livro da
Lembrança". Quero muito ver se
realmente me ponho para trabalhar nesse livro. O que acontece é
que tenho umas tarefas a cumprir
antes. Entre elas, devo escrever o
livro que me comprometi a fazer
para a Companhia das Letras, para a série "Literatura ou Morte". É
uma aventura para mim, pois
nunca escrevi nada que tivesse relação com crimes. Meu personagem será Alexandre Dumas, o pai.
Para complicar, apareceu outra
idéia que pode gerar um romance. Espero que não tenha de adiar
novamente "O Livro das Lembranças". Vamos lá ver.
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