São Paulo, sábado, 11 de novembro de 2000

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"PARIS TO THE MOON"
Um americano em Paris

Associated Press
Réplica da estátua da Liberdade, em Paris; ao fundo, a Torre Eiffel


NELSON ASCHER
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Durante os últimos cinco anos, um dos pontos altos da revista norte-americana "The New Yorker" foram os artigos de seu correspondente em Paris, Adam Gopnik. Estabelecendo-se na capital francesa em 95, ele tem escrito sobre assuntos que podem, quase todos, se abrigar sob o rótulo "modo de vida": desfiles de moda e a culinária dos restaurantes de primeira linha, as dificuldades diárias em tempos de greve nos transportes, a disputa por prestígio entre dois cafés, a Copa do Mundo etc.
Foi a historiografia francesa que difundiu a noção de que o exame inteligente de fatos e ocorrências aparentemente banais e corriqueiros pode revelar tanto sobre uma época e/ou lugar quanto o estudo da economia, diplomacia e política. Assim, é mais do que apropriado que um observador se valha dessa noção para tentar entender não só Paris, mas a França contemporânea e, por extensão, a Europa Ocidental posterior à queda do Muro de Berlim e em vias de algum tipo de unificação.
"Paris to the Moon" (De Paris à Lua) reúne muitos (mas não todos) artigos de Gopnik publicados na revista "The New Yorker" e algum material inédito: suas anotações, uma espécie de entradas de diário, escritas geralmente na época do Natal e abordando de forma mais rápida uma variedade de temas.
Seus melhores textos são simplesmente deliciosos. Num deles, por exemplo, o autor narra o curioso conflito que se desenvolveu em torno de uma famosa e tradicional "brasserie" do Quartier Latin, o Balzar, quando foi adquirida por um grupo francês de fast food: a intelectualidade que frequentava o estabelecimento promoveu um "sit in", negociou com o novo proprietário e conquistou para a "brasserie" uma certa autonomia administrativa e, sobretudo, culinária em relação ao grupo.
Noutro texto, ele discute as razões que determinaram os destinos opostos dos dois principais cafés do bulevar Saint Germain, o Flore, que é hoje em dia o mais "in", e o Deux Magots, o mais "out". Ao falar da transição da "vieille cuisine" para a "nouvelle", bem como as razões pelas quais esta última fracassou no país de origem, mas deu certo no exterior, Gopnik convoca recursos provenientes da história e da sociologia, da psicologia e da antropologia, e suas conclusões são igualmente úteis no contexto dessas variadas disciplinas.
Quando discute, por outro lado, a Copa de 98, ele não apenas descreve e analisa alguns jogos ou a reação francesa aos resultados destes, mas, o que é mais importante, ajuda a esclarecer os motivos que levam seus compatriotas americanos, apreciadores de rugby, beisebol e basquete, a não verem graça nenhuma no esporte que o resto do mundo adora.
O fato de que se trata de um observador americano escrevendo antes de mais nada para seus conterrâneos é especialmente conveniente, pois essa circunstância impõe a Gopnik a obrigação de reinscrever a realidade que comenta num outro sistema de referências, traduzindo-a em termos de uma mentalidade diferente.
Por exemplo, num dos poucos artigos que foge à rubrica "modo de vida" (pois trata do julgamento de Maurice Papon, um alto burocrata francês acusado de colaborar com os alemães durante a guerra), ao falar sobre o governo francês para um público que, como o americano, abomina em princípio a idéia de um governo grande e centralizado que interfira nas mais diversas esferas, o jornalista se vê forçado a explicar por que a imensa estrutura administrativa e o funcionalismo público são considerados, na França, coisas positivas.
É do conjunto de explicações desse tipo que se pode deduzir em que o "modelo francês" se distingue do americano e por que, do ponto de vista do autor, é nisso que reside seu encanto.


Paris to the Moon
     Autor: Adam Gopnik Editora: Random House (Nova York) Quanto: US$ 24,95 (342 págs.) Onde encomendar: www.bn.com, www.amazon.com, www.livcultura.com.br




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