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DRAUZIO VARELLA
Luizão, o bem amado
Uma noite, conheceu Creuza; viveram dois anos em harmonia, até que a cadeia os separou
LUIZÃO DIZ que entrou para o
crime por conta própria, não
por lhe faltar amor.
-Minha família nem a sociedade
têm culpa das mancadas que cometi.
O pai morreu num desastre com o
caminhão carregado de cana-de-açúcar, num dia; ele nasceu no outro. Viúva, a mãe foi trabalhar na casa da família que teve a primeira Frigidaire de Campinas, onde o menino
foi criado com carinho:
-Estudei nos melhores colégios
da cidade, ia de carro para a escola,
fim de semana na fazenda, tudo o
que um filhinho de papai tem.
Aos dez anos, mudou-se para São
Paulo porque a mãe foi pedida em
casamento por um português, sócio
de uma banca de jogo do bicho no
Bexiga, que o acolheu como filho:
-Ganhei um pai. Nunca brigou
comigo, só dava conselho. Viveu
com minha mãe até morrer: meu
bem daqui, benzinho dali. Português com negra faz tempo que dá
certo.
Depois de um ultimato da mãe para que se decidisse entre estudar ou
trabalhar, Luizão abandonou o ginasial e arranjou emprego numa metalúrgica. Vieram as más companhias,
e ele tomou uma decisão definitiva:
-Nem estudo nem trabalho.
Começou a freqüentar a rua Augusta, de calça boca de sino, sapato
plataforma, cabelo black power. De
madrugada, assaltavam as lojas da
região e fugiam na Kombi de um
comparsa. Mulato de olhar bovino,
mão aberta, sempre cercado de mulheres, acabou adotado por Quinzinho -com inúmeras passagens pela
Casa de Detenção- e Hiroito, o rei
da Boca do Lixo. Na primeira cadeia
que pegou, fez amizade com seu Horácio, comandante do tráfico no
bairro do Carrão (por pouco escapou de ser fuzilado pelo Esquadrão
da Morte junto com ele), e começou
a traficar.
No início, abastecia a Boca com as
ampolas de Pervitin que trazia do
Paraguai. Depois, trabalhou com
maconha, até descobrir coisa melhor:
-Caí de cara na cocaína! Trabalhava como segundo fornecedor: a
droga já vinha misturada para mim,
40, 50 quilos, um mês para pagar. Eu
misturava um pouco mais e distribuía para o pessoal certo. Dava prazo de 15 dias para trazer o dinheiro.
Tudo na palavra. Nunca tomei chapéu!
Uma noite, conheceu Creuza, vulgo Solange Simone, que fazia ponto
nas imediações da Major Sertório:
branquinha, neta de um ator de
chanchada no Teatro Aurora, na
avenida São João, e amante de um
militar aposentado que foi tomar satisfações com ele ao saber que o casal havia alugado um cômodo num
casarão do largo Ana Rosa.
Viveram dois anos em harmonia,
até que a cadeia os separou:
-Ela era carismática, parecida
com a Barbie. Quando fui preso, a
gente se correspondia no maior
amor: duas ou três cartas por semana. Até que ela parou de escrever.
A razão do desencontro foi a prisão da moça:
-Ela não ouviu meus conselhos.
Não sei em que artigo caiu, só sei
que, na Detenção Feminina, se envolveu com a Famigerada, a Neuza
Pequena e a Maldita, velhas conhecidas minhas, infelizmente. A última notícia que recebi foi que as quatro tocaram fogo na cadeia e foram
transferidas para a penitenciária.
Dez anos mais tarde, no dia em
que recebeu o alvará de soltura na
Colônia Penal, foi chamado à sala de
um diretor com quem se dava mal:
-Porque meu jeito humano de
ser feria a sensibilidade dele.
De mau humor, o funcionário avisou que uma mulher que se dizia esposa de Luizão havia telefonado para avisar que viria buscá-lo.
Ele quase disse que só podia ser
engano, mas houve por bem não fazê-lo. Sentou em frente à sala do diretor e aguardou.
Não demorou para um Opala SS
amarelo de capota de vinil preto brecar no pátio de entrada da Colônia.
Era ela, mais velha e mais sedutora:
-Veio de botinha branca, minissaia cor-de-rosa, frasqueira da mesma cor, coletinho, estola com pluma
no pescoço. Quando vi aquela mulher de cabelo vermelho, cheia de
pulseira e de anel nos dedos, ri e dei
um abraço agarrado nela.
O diretor não gostou:
-Aqui dentro, não! A senhora faça
o favor de esperar lá fora.
Luizão estranhou:
-Só por causa do jeito dela, senhor? Minha esposa passou dez
anos na França e na Alemanha, por
isso nunca veio me visitar. Por acaso, o senhor está abismado com a
moda que ela adotou no exterior?
Eu também, mas sou humilde para
reconhecer: ela está atualizada, eu é
que não.
Solange Simone entregou a chave
nas mãos dele:
-O tanque está cheio. Agora é
com você.
Cavalheiro, ele abriu a porta do
Opala para ela, deu a volta, sentou ao
volante e cantou os pneus na saída.
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