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Entrevista George Clooney
'Sou inspirado pela urgência'
Clooney comenta seu novo filme, "Michael Clayton",
critica o governo e a mídia norte-americanos e conta
que se sente incomodado em falar sobre sua aparência
SAMUEL BLUMENFELD
DO "LE MONDE"
George Clooney é um caso
especial entre as celebridades
de Hollywood. O astro de 46
anos do recém-lançado "Michael Clayton" (que chega ao
Brasil em 30 de novembro) e
diretor do ainda inédito "Leatherheads", comédia de época
sobre o futebol americano, diz
que teria preferido trabalhar
nos anos 70, quando as posições políticas dos atores precediam suas carreiras.
Clooney pode não viver nessa era, mas sua influência, tanto
artística quanto política, é inegável. O advogado que ele representa em "Michael Clayton"
-um agente que combate uma
multinacional que atua por métodos escusos- ilustra bem
suas paixões políticas.
O astro de "Syriana" e "Onze
Homens e um Segredo" optou
por criticar o presidente George W. Bush e a guerra no Iraque
e manifestar-se contra o genocídio em Darfur. "Sou inspirado pela urgência e importância
e não quero me proteger -isso
seria o pior de tudo", afirma.
Leia os principais trechos da
entrevista a seguir.
PERGUNTA - Você e seu pai (o jornalista e apresentador de TV Nick Clooney) produziram um documentário
sobre Darfur, "Sand and Sorrow". O
que você viu quando foi a Darfur
com seu pai?
GEORGE CLOONEY - Pilhas de corpos. Poços inutilizados pelos
pedaços de carne humana putrefata atirados dentro deles.
As pessoas que meu pai e eu vimos provavelmente tinham sido massacradas depois de seu
acampamento ter sido saqueado e incendiado. Percebi que eu
poderia conferir outra dimensão a esse drama, num momento em que jornalistas estavam
tendo dificuldade em convencer seus editores a dar espaço à
questão de Darfur. Fui à CNN e
NBC e falei sobre o assunto. Fui
criticado por ter supostamente
"me promovido" com essa
campanha, mas o que mais eu
tenho a promover? Será que
preciso ser mais famoso? Não.
PERGUNTA - Você viaja muito. Como os americanos são vistos hoje
em dia?
CLOONEY - É deprimente. As
pessoas estão iradas, notadamente na Europa. Elas nos
olham como se fôssemos brutos e, para ser franco, é verdade.
Ninguém entende como Bush
pôde ser reeleito. É mais um
fracasso dos democratas do que
uma vitória republicana.
Mas nós, americanos, somos
inteligentes o suficiente para
corrigir nossos erros. Somos
um país grande, um tanto
quanto imaturo, e nossos habitantes não viajam além das
fronteiras. Sou parte de uma
geração que, apesar da Coréia,
apesar do Vietnã, acredita que
está do lado do bem. A Guerra
do Iraque vem sendo um tremendo tapa na cara para nós.
PERGUNTA - Em "Boa Noite e Boa
Sorte", você falou do dilema de uma
mídia independente na época de
McCarthy. O que o filme nos diz sobre o estado da mídia nos EUA?
CLOONEY - Fui bem severo dois
anos atrás. Achei que não tínhamos aprendido a lição dada
pelo grande jornalista Edward
R. Murrow, personagem principal de "Boa Noite e Boa Sorte". Será que ainda lembramos
disso, 50 anos mais tarde?
Tendo um pai que foi âncora,
um jornalista que nunca cedeu
um milímetro em seus princípios, eu estava ali, assistindo à
degradação da qualidade da cobertura jornalística.
PERGUNTA - Ter um pai exigente e
famoso foi difícil para você, em sua
adolescência?
CLOONEY - Durante muito tempo fui conhecido como o filho
de Nick Clooney. Viver à sombra dele não era problema para
mim, mas era difícil ser alguém
que se aferrava tão fortemente
a seus princípios, especialmente num Estado tão conservador
quanto o Kentucky.
Podíamos estar num jantar,
por exemplo, e alguém contava
uma piada racista, e meu pai se
levantava imediatamente, insultava a pessoa, e tínhamos
que deixar a mesa na mesma
hora. Eu costumava torcer para
ele ficar calado, pelo menos
uma vez. Mais tarde compreendi que é um erro ceder, mesmo
um pouco.
PERGUNTA - Você foi criado nos
preceitos da Igreja Católica?
CLOONEY - Fui coroinha. Na minha casa, não se brincava com
religião. Eu assistia à missa em
latim.
PERGUNTA - O que você conservou
de sua educação religiosa?
CLOONEY - O respeito. A gente
nunca falava diante de nosso
professor ou do diretor. Se você
abrisse a boca, apanhava.
Me lembro que, no início da
Guerra do Iraque, um dos apresentadores da Fox News, Bill
O'Reilly, me chamou de traidor. Ele falou e falou, jurando
que minha carreira estaria acabada. Eu já tinha aprendido a
defender minhas opiniões, correndo o risco de me ver sozinho
contra o mundo.
Então telefonei para meu pai,
perguntando até que ponto eu
estava com problemas, e ele
disse: "O que você está arriscando? Vai ganhar um pouco
menos dinheiro -e daí?". Ele
tinha 100% de razão, é claro. Isso me lembrou da escola católica -formular as perguntas certas, correndo o risco de não obter as respostas certas-, mas
questionando sempre.
PERGUNTA - Há uma cena em "Michael Clayton" em que você parece
se expor totalmente, aquela em que
seu personagem conversa com seu
filho e lhe dá conselhos para que ele
tenha sucesso na vida. Você tinha
consciência da natureza extraordinária dessa cena?
CLOONEY - Eu não tinha consciência no momento em que a
fiz; fiquei chocado quando vi a
cena no filme. Percebi que eu
tinha expressado uma gravidade e urgência que não fazem
parte de mim normalmente.
Acho que estou num ponto de
minha vida em que preciso de
mais intensidade. Sei que meu
tempo está se esgotando. Procuro continuar avançando em
minhas convicções políticas e
minha vida artística. Sou solteiro, não tenho filhos. Acho que
meus filmes são uma maneira
de transmitir uma parte de você mesmo.
Os atores, e com mais freqüência os diretores, vão se
desgastando com o tempo. Eles
perdem a ousadia, eles têm famílias para sustentar. Sou inspirado pela urgência e importância e não quero me proteger
-isso seria o pior de tudo.
PERGUNTA - Steven Soderbergh e
os irmãos Coen sempre aproveitam
o aspecto "retrô" de sua aparência
física. Por quê?
CLOONEY - Meu rosto é como o
de um ator daquela época; meu
queixo proeminente e meus
traços um pouco exagerados
não são muito contemporâneos. Os irmãos Coen exploraram isso em "E Aí Meu Irmão,
Cadê Você?" e em "O Amor
Custa Caro", em que me pediram para representar uma figura superficial à moda de Clark
Gable.
PERGUNTA - Parte de sua reputação
se deve à sua aparência física. Isso
lhe ensinou algo sobre as limitações
da beleza?
CLOONEY - Me sinto incomodado quando falam de minha aparência. Sei que um dia meu telefone vai parar de tocar. Você
não imagina que todos nós vamos virar um Paul Newman da
vida, no auge de sua performance mesmo tendo mais de
60 anos? De jeito nenhum.
Tradução de Clara Allain
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