São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Entrevista George Clooney

'Sou inspirado pela urgência'

Clooney comenta seu novo filme, "Michael Clayton", critica o governo e a mídia norte-americanos e conta que se sente incomodado em falar sobre sua aparência

SAMUEL BLUMENFELD
DO "LE MONDE"

George Clooney é um caso especial entre as celebridades de Hollywood. O astro de 46 anos do recém-lançado "Michael Clayton" (que chega ao Brasil em 30 de novembro) e diretor do ainda inédito "Leatherheads", comédia de época sobre o futebol americano, diz que teria preferido trabalhar nos anos 70, quando as posições políticas dos atores precediam suas carreiras.
Clooney pode não viver nessa era, mas sua influência, tanto artística quanto política, é inegável. O advogado que ele representa em "Michael Clayton" -um agente que combate uma multinacional que atua por métodos escusos- ilustra bem suas paixões políticas.
O astro de "Syriana" e "Onze Homens e um Segredo" optou por criticar o presidente George W. Bush e a guerra no Iraque e manifestar-se contra o genocídio em Darfur. "Sou inspirado pela urgência e importância e não quero me proteger -isso seria o pior de tudo", afirma. Leia os principais trechos da entrevista a seguir.  

PERGUNTA - Você e seu pai (o jornalista e apresentador de TV Nick Clooney) produziram um documentário sobre Darfur, "Sand and Sorrow". O que você viu quando foi a Darfur com seu pai?
GEORGE CLOONEY
- Pilhas de corpos. Poços inutilizados pelos pedaços de carne humana putrefata atirados dentro deles. As pessoas que meu pai e eu vimos provavelmente tinham sido massacradas depois de seu acampamento ter sido saqueado e incendiado. Percebi que eu poderia conferir outra dimensão a esse drama, num momento em que jornalistas estavam tendo dificuldade em convencer seus editores a dar espaço à questão de Darfur. Fui à CNN e NBC e falei sobre o assunto. Fui criticado por ter supostamente "me promovido" com essa campanha, mas o que mais eu tenho a promover? Será que preciso ser mais famoso? Não.

PERGUNTA - Você viaja muito. Como os americanos são vistos hoje em dia?
CLOONEY
- É deprimente. As pessoas estão iradas, notadamente na Europa. Elas nos olham como se fôssemos brutos e, para ser franco, é verdade.
Ninguém entende como Bush pôde ser reeleito. É mais um fracasso dos democratas do que uma vitória republicana.
Mas nós, americanos, somos inteligentes o suficiente para corrigir nossos erros. Somos um país grande, um tanto quanto imaturo, e nossos habitantes não viajam além das fronteiras. Sou parte de uma geração que, apesar da Coréia, apesar do Vietnã, acredita que está do lado do bem. A Guerra do Iraque vem sendo um tremendo tapa na cara para nós.

PERGUNTA - Em "Boa Noite e Boa Sorte", você falou do dilema de uma mídia independente na época de McCarthy. O que o filme nos diz sobre o estado da mídia nos EUA?
CLOONEY
- Fui bem severo dois anos atrás. Achei que não tínhamos aprendido a lição dada pelo grande jornalista Edward R. Murrow, personagem principal de "Boa Noite e Boa Sorte". Será que ainda lembramos disso, 50 anos mais tarde?
Tendo um pai que foi âncora, um jornalista que nunca cedeu um milímetro em seus princípios, eu estava ali, assistindo à degradação da qualidade da cobertura jornalística.

PERGUNTA - Ter um pai exigente e famoso foi difícil para você, em sua adolescência?
CLOONEY
- Durante muito tempo fui conhecido como o filho de Nick Clooney. Viver à sombra dele não era problema para mim, mas era difícil ser alguém que se aferrava tão fortemente a seus princípios, especialmente num Estado tão conservador quanto o Kentucky.
Podíamos estar num jantar, por exemplo, e alguém contava uma piada racista, e meu pai se levantava imediatamente, insultava a pessoa, e tínhamos que deixar a mesa na mesma hora. Eu costumava torcer para ele ficar calado, pelo menos uma vez. Mais tarde compreendi que é um erro ceder, mesmo um pouco.

PERGUNTA - Você foi criado nos preceitos da Igreja Católica?
CLOONEY
- Fui coroinha. Na minha casa, não se brincava com religião. Eu assistia à missa em latim.

PERGUNTA - O que você conservou de sua educação religiosa?
CLOONEY
- O respeito. A gente nunca falava diante de nosso professor ou do diretor. Se você abrisse a boca, apanhava.
Me lembro que, no início da Guerra do Iraque, um dos apresentadores da Fox News, Bill O'Reilly, me chamou de traidor. Ele falou e falou, jurando que minha carreira estaria acabada. Eu já tinha aprendido a defender minhas opiniões, correndo o risco de me ver sozinho contra o mundo.
Então telefonei para meu pai, perguntando até que ponto eu estava com problemas, e ele disse: "O que você está arriscando? Vai ganhar um pouco menos dinheiro -e daí?". Ele tinha 100% de razão, é claro. Isso me lembrou da escola católica -formular as perguntas certas, correndo o risco de não obter as respostas certas-, mas questionando sempre.

PERGUNTA - Há uma cena em "Michael Clayton" em que você parece se expor totalmente, aquela em que seu personagem conversa com seu filho e lhe dá conselhos para que ele tenha sucesso na vida. Você tinha consciência da natureza extraordinária dessa cena?
CLOONEY
- Eu não tinha consciência no momento em que a fiz; fiquei chocado quando vi a cena no filme. Percebi que eu tinha expressado uma gravidade e urgência que não fazem parte de mim normalmente.
Acho que estou num ponto de minha vida em que preciso de mais intensidade. Sei que meu tempo está se esgotando. Procuro continuar avançando em minhas convicções políticas e minha vida artística. Sou solteiro, não tenho filhos. Acho que meus filmes são uma maneira de transmitir uma parte de você mesmo.
Os atores, e com mais freqüência os diretores, vão se desgastando com o tempo. Eles perdem a ousadia, eles têm famílias para sustentar. Sou inspirado pela urgência e importância e não quero me proteger -isso seria o pior de tudo.

PERGUNTA - Steven Soderbergh e os irmãos Coen sempre aproveitam o aspecto "retrô" de sua aparência física. Por quê?
CLOONEY
- Meu rosto é como o de um ator daquela época; meu queixo proeminente e meus traços um pouco exagerados não são muito contemporâneos. Os irmãos Coen exploraram isso em "E Aí Meu Irmão, Cadê Você?" e em "O Amor Custa Caro", em que me pediram para representar uma figura superficial à moda de Clark Gable.

PERGUNTA - Parte de sua reputação se deve à sua aparência física. Isso lhe ensinou algo sobre as limitações da beleza?
CLOONEY
- Me sinto incomodado quando falam de minha aparência. Sei que um dia meu telefone vai parar de tocar. Você não imagina que todos nós vamos virar um Paul Newman da vida, no auge de sua performance mesmo tendo mais de 60 anos? De jeito nenhum.


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Clarinetista Benny Goodman é tema do próximo volume da Coleção Folha
Próximo Texto: Frase
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.