São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2004

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LITERATURA

Edição recente de "Oblomov", do russo Ivan Alexandrovitch Gontcharov, é cópia de versão publicada em 1966

Editora plagia tradução antiga de clássico

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Só há uma edição disponível no Brasil de "Oblomov", um dos maiores clássicos da literatura russa. Pois essa edição é repleta de erros e a tradução do romance de Ivan Alexandrovitch Gontcharov (1812-1891) é um plágio absoluto.
Publicado em 2001 pela pequena Germinal (não confundir com a Edições Germinal), o livro é uma cópia da tradução feita pelo poeta mineiro Francisco Inácio Peixoto (1909-1986) e publicada em 1966 pela Edições O Cruzeiro.
Alertado pelo professor Anselmo Pessoa, da Universidade Federal de Goiás, o jornalista Euler Belém, do semanário "Jornal Opção", de Goiânia, publicou texto sobre isso em 28 de novembro. Como ele ressalta, resenhas feitas por José Maria Cançado, na Folha, em 2002, e Arthur Danton, no site Toda Palavra, em 2003, já apontavam estranhezas na edição, mas ainda não tinham cravado a hipótese de plágio.
A Folha teve acesso aos livros de 1966 e 2001. O plágio vai da primeira à última página. Não houve qualquer preocupação em disfarçar a cópia, sendo reproduzidos trechos complexos como o seguinte: "Este, como um pássaro em liberdade, esvoaçava-lhe no rosto, adejava-lhe nos olhos, pousava-lhe nos lábios entreabertos e aninhava-se nas rugas da fronte, para logo desaparecer".
Houve tentativas de atualizar a ortografia, já que a tradução de Peixoto é anterior à reforma de 1971. Mas até nisso a cópia falha. Há casos em que o acento foi erradamente retirado, como em "have-lo" (havê-lo), na página 50. Outros em que se deixou, por equívoco, o acento, como em "fêz" (fez), nas páginas 61 e 68.
Há ainda centenas de erros de digitação, pontuação e frases truncadas. Danton chegou a contar 270 incorreções. Belém parou de contar no centésimo erro, na página 146 (o livro tem 552). Alguns vêm da edição de 1966.
"Papai era perfeccionista e ficou decepcionado com os erros de revisão", lembra Maria Cristina, filha de Peixoto. Dos sete filhos do poeta, cinco estão vivos. A família buscará reparação na Justiça.
A "tradução" da Germinal é assinada por Juliana Borges. A edição, por Gabriela Borges. Elas são filhas do advogado, sociólogo e jornalista Wilson Hilário Borges, morto em 20 de março de 2002, aos 62 anos.
Segundo a jornalista Vera Lúcia Rodrigues, 49, que diz ter vivido 22 anos com Borges sem se casar no papel, Juliana e Gabriela não têm relação com "Oblomov" nem com qualquer outro livro da Germinal. Todas as edições seriam cuidadas por Borges, que teria criado a editora como uma espécie de hobby para seus últimos anos de vida, nos quais enfrentou um câncer. De acordo com Vera Lúcia, Borges editou "Oblomov" num laptop enquanto estava internado, em 2001. "Digo com toda sinceridade que não tenho idéia do que aconteceu. O Wilson cuidava de tudo. Mas não é meu objetivo lesar ninguém. Se alguém foi lesado, vamos buscar reparar."
A jornalista diz também não ter informações sobre outros livros do catálogo da Germinal. Entre eles, estão "Chegada e Partida" e "Ladrões na Noite", ambos de Arthur Koestler, que aparecem como traduzidos por Juliana Borges. No momento, a Germinal só publica autores brasileiros.
Francisco Inácio Peixoto - ao lado de Enrique de Resende, Rosário Fusco e Ascânio Lopes- foi um dos fundadores da revista "Verde" (1927-29), um dos marcos do movimento modernista e que ajudou, com o cinema de Humberto Mauro, a pôr a pequena Cataguases no mapa cultural.
Peixoto lançou livros de poesia e prosa e "Passaporte Proibido", sobre sua viagem à Rússia. Embora conhecesse um pouco de russo, sua tradução foi feita a partir do francês. Escrito em 1859, "Oblomov" era considerado pelo crítico Otto Maria Carpeaux como o romance do "enfado universal infinito". Para ironizar sua própria passividade, o personagem-título cria a expressão "oblomovismo", que se tornou sinônimo de inércia na Rússia.


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