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LITERATURA
Edição recente de "Oblomov", do russo Ivan Alexandrovitch Gontcharov, é cópia de versão publicada em 1966
Editora plagia tradução antiga de clássico
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Só há uma edição disponível no
Brasil de "Oblomov", um dos
maiores clássicos da literatura
russa. Pois essa edição é repleta de
erros e a tradução do romance de
Ivan Alexandrovitch Gontcharov
(1812-1891) é um plágio absoluto.
Publicado em 2001 pela pequena Germinal (não confundir com
a Edições Germinal), o livro é
uma cópia da tradução feita pelo
poeta mineiro Francisco Inácio
Peixoto (1909-1986) e publicada
em 1966 pela Edições O Cruzeiro.
Alertado pelo professor Anselmo Pessoa, da Universidade Federal de Goiás, o jornalista Euler
Belém, do semanário "Jornal Opção", de Goiânia, publicou texto
sobre isso em 28 de novembro.
Como ele ressalta, resenhas feitas
por José Maria Cançado, na Folha, em 2002, e Arthur Danton, no
site Toda Palavra, em 2003, já
apontavam estranhezas na edição, mas ainda não tinham cravado a hipótese de plágio.
A Folha teve acesso aos livros de
1966 e 2001. O plágio vai da primeira à última página. Não houve
qualquer preocupação em disfarçar a cópia, sendo reproduzidos
trechos complexos como o seguinte: "Este, como um pássaro
em liberdade, esvoaçava-lhe no
rosto, adejava-lhe nos olhos, pousava-lhe nos lábios entreabertos e
aninhava-se nas rugas da fronte,
para logo desaparecer".
Houve tentativas de atualizar a
ortografia, já que a tradução de
Peixoto é anterior à reforma de
1971. Mas até nisso a cópia falha.
Há casos em que o acento foi erradamente retirado, como em "have-lo" (havê-lo), na página 50.
Outros em que se deixou, por
equívoco, o acento, como em
"fêz" (fez), nas páginas 61 e 68.
Há ainda centenas de erros de
digitação, pontuação e frases
truncadas. Danton chegou a contar 270 incorreções. Belém parou
de contar no centésimo erro, na
página 146 (o livro tem 552). Alguns vêm da edição de 1966.
"Papai era perfeccionista e ficou
decepcionado com os erros de revisão", lembra Maria Cristina, filha de Peixoto. Dos sete filhos do
poeta, cinco estão vivos. A família
buscará reparação na Justiça.
A "tradução" da Germinal é assinada por Juliana Borges. A edição, por Gabriela Borges. Elas são
filhas do advogado, sociólogo e
jornalista Wilson Hilário Borges,
morto em 20 de março de 2002,
aos 62 anos.
Segundo a jornalista Vera Lúcia
Rodrigues, 49, que diz ter vivido
22 anos com Borges sem se casar
no papel, Juliana e Gabriela não
têm relação com "Oblomov" nem
com qualquer outro livro da Germinal. Todas as edições seriam
cuidadas por Borges, que teria
criado a editora como uma espécie de hobby para seus últimos
anos de vida, nos quais enfrentou
um câncer. De acordo com Vera
Lúcia, Borges editou "Oblomov"
num laptop enquanto estava internado, em 2001. "Digo com toda
sinceridade que não tenho idéia
do que aconteceu. O Wilson cuidava de tudo. Mas não é meu objetivo lesar ninguém. Se alguém
foi lesado, vamos buscar reparar."
A jornalista diz também não ter
informações sobre outros livros
do catálogo da Germinal. Entre
eles, estão "Chegada e Partida" e
"Ladrões na Noite", ambos de Arthur Koestler, que aparecem como traduzidos por Juliana Borges. No momento, a Germinal só
publica autores brasileiros.
Francisco Inácio Peixoto - ao
lado de Enrique de Resende, Rosário Fusco e Ascânio Lopes- foi
um dos fundadores da revista
"Verde" (1927-29), um dos marcos do movimento modernista e
que ajudou, com o cinema de
Humberto Mauro, a pôr a pequena Cataguases no mapa cultural.
Peixoto lançou livros de poesia e
prosa e "Passaporte Proibido",
sobre sua viagem à Rússia. Embora conhecesse um pouco de russo,
sua tradução foi feita a partir do
francês. Escrito em 1859, "Oblomov" era considerado pelo crítico
Otto Maria Carpeaux como o romance do "enfado universal infinito". Para ironizar sua própria
passividade, o personagem-título
cria a expressão "oblomovismo",
que se tornou sinônimo de inércia
na Rússia.
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