São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2010 |
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Poética do acidente Raimundo Carrero , escritor pernambucano vencedor do Prêmio SP de Literatura, fala do recém-iniciado livro "Às Vésperas do Sol" , em que narra a experiência de ter sofrido um AVC
MARCO RODRIGO ALMEIDA ENVIADO ESPECIAL A RECIFE (PE) Quando acordou, na madrugada do dia 19 de outubro, o escritor Raimundo Carrero, 62, não conseguiu se levantar da cama. Sentia uma forte dor de cabeça e um mal-estar intenso. Por mais que fizesse força, o corpo teimava em não obedecer aos seus comandos. Ele então tomou impulso e tentou mais uma vez. Acabou tombando em cima da mulher, Marilene. "Ela deve ter pensado que eu estava bêbado", relembra Carrero, rindo. O escritor nunca foi de recusar um copo, mas nada tinha bebido no dia anterior. Marilene, que é médica, não teve dúvida: tratava-se de um AVC (acidente vascular cerebral), doença neurológica que acarreta paralisação ou dificuldade de movimento dos membros. Carrero, além de não se mexer, também não conseguia articular as palavras. Enquanto ia para o hospital, não pôde dividir com ninguém seu maior temor: nunca mais poder escrever. Mesmo que sobrevivesse, causava pânico ao vencedor do Prêmio SP de Literatura pelo livro "A Minha Alma É Irmã de Deus" imaginar que alguma sequela comprometesse o ato de criação. Felizmente, o medo não se concretizou. Cinco dias depois de voltar para casa, após passar 15 internado, ele iniciou "Às Vésperas do Sol". Com a mão direita, num pequeno diário, ele escreve o relato real da doença e de sua recuperação. "Se não pudesse escrever, acho que teria morrido. Ou já estaria louco", diz, aos risos. Quando a Folha o visitou em Recife, no último sábado, o encontrou já mais animado e falante. "Ele melhorou muito na última semana. A fase mais crítica, felizmente, já passou", conta Marilene. A nova rotina de Carrero inclui fisioterapia diária e mais sessões semanais de natação, acupuntura e fonoaudiologia. "É tudo um saco, dói demais", resume ele. O braço e a perna esquerda ainda permanecem parcialmente paralisados. Para se movimentar, necessita da ajuda da esposa ou das enfermeiras que se revezam para cuidar dele. Tal estado de dependência é o que mais o aborrece. "Ele sempre foi muito ativo. O que o faz sofrer é pensar que não pode fazer mais tudo o que quer", diz Marilene. O próprio Carrero resume a situação. "Imagine bem: de repente você não consegue fazer nada sem ajuda dos outros. De cinco em cinco minutos, tenho de chamar alguém. Não tem sido fácil." Nos últimos meses, pouco tem conseguido ler, o que, para alguém que respira literatura, também não é nada fácil. Segurar o livro por muito tempo causa incômodo e ele tem tido dificuldade para se concentrar nas leituras. CHUCHU Enquanto conversa, de tempos em tempos Beatriz, uma das enfermeiras, vem trazer-lhe um copo d'água com um canudinho dentro. "Tomar água no canudinho é foda, né", resmunga, arrancando risos de todos. O humor, percebe-se logo, não foi afetado pelo trauma. Permite até que Carrero enxergue um ponto positivo na doença: a perda de peso. Antes do AVC ele tinha 105 quilos. Com os exercícios e a dieta rigorosa, que cortou gorduras e sal, chegou aos 88. Está feliz com os quilos perdidos, mas confessa que o preço é alto. "Minha alimentação é a coisa mais monótona que existe. Só frutas e verduras." Pior de tudo: muito chuchu, para seu desespero. "Comer chuchu é igual torcer para o Náutico, não tem gosto", brinca, fazendo troça com o time adversário. Carrero é torcedor fanático do Sport. Mesmo quando internado na UTI, poucos dias após o AVC, assistiu pela TV a um jogo contra o arquirrival (infelizmente, lamenta, a partida terminou empatada). Além do futebol e da escrita, conserva também o hábito da reza diária. Católico, há mais de 20 anos carrega o mesmo escapulário. A companheira de oração mais frequente é Beatriz, que é evangélica. "Cristo está em todas as religiões e traça uma direção para cada um de nós", diz ele. Mas seguir esse caminho, bem sabe Carrero, nem sempre é fácil. Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Livros: "A doença fazia parte do projeto de Deus para mim" Índice | Comunicar Erros |
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