São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2010 |
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CRÍTICA CONTOS Gógol surge mais divertido, mais cínico e ainda mais irônico Coletânea "O Capote e Outras Histórias" reúne textos canônicos que influenciaram Dostoiévski e Tolstói
NELSON DE OLIVEIRA ESPECIAL PARA A FOLHA Nikolai Gógol (1809-1852), o místico atormentado, forma com Fiódor Dostoiévski (1821-1861) e Liev Tolstói (1828-1910) -não menos místicos e atormentados do que ele- o trio demoníaco da ficção russa do século 19. Muitos anos mais velho do que estes dois gigantes do romance, Gógol influenciou o caminho de ambos. "Todos nós saímos do Capote de Gógol", reconheceu Dostoiévski. Sua marca realista foi tão penetrante que pode ser encontrada nas camadas mais profundas de "Crime e Castigo" (1866) ou de "Anna Kariênina". Realizada por Paulo Bezerra, a tradução de "O Capote e Outras Histórias", que a editora 34 está relançando, foi publicada pela primeira vez em 1990, pela editora Civilização Brasileira. Bezerra, que também escreveu o posfácio, é incansável. Professor de teoria e literatura russas, já traduziu 45 obras, de ficção e não ficção. Comparando-se as duas versões de "O Capote e Outras Histórias", é possível perceber uma significativa revisão nos textos. Estão mais divertidos. Mais cínicos. E ainda mais irônicos. MUNDO MÁGICO Do trio demoníaco formado por Gógol-Dostoiévski-Tolstói, o primeiro era o mais bem-humorado. Se não na vida -turbulenta, angustiada-, ao menos na prosa de ficção e no teatro. Sua peça "O Inspetor Geral", de 1836, é célebre pela sátira deliciosa às máscaras sociais e institucionais. Igualmente deliciosos são dois dos contos canônicos do autor, presentes na coletânea: "O Nariz" (1836) e "O Capote" (1842). Influenciados pela literatura fantástica, de matriz romântica, os dois textos escapam da simples alegoria, saindo sempre pela porta do humor, para investir na denúncia social. Em "O Nariz", um funcionário público acorda uma bela manhã e descobre, kafkianamente, que está sem o dito-cujo. Surpresa, desespero: o que a sociedade pensará dele, assim, sem o nariz? A situação fica complicadíssima quando o funcionário encontra o nariz andando pela cidade, vestido de conselheiro do Estado. Em "O Capote", outro funcionário público -um pobre-coitado cujo único prazer na vida é copiar documentos-, depois de perder seu bem mais precioso, passa a viver uma experiência de dupla orientação: cômica e sobrenatural. A coletânea traz também narrativas mais antigas. "Noite de Natal" (1832) e "Viy" (1835) falam do mundo rural, folclórico, povoado por criaturas mágicas. Já no "Diário de um Louco" (1835) o fantástico surge, metódico, da lógica de uma mente delirante. NELSON DE OLIVEIRA é autor de "Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral) O CAPOTE E OUTRAS HISTÓRIAS AUTOR Nikolai Gógol EDITORA 34 TRADUÇÃO Paulo Bezerra QUANTO R$ 37 (224 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Crítica/História: Boucher traça com estilo a história do vestir Próximo Texto: Livro reúne toda a obra de Eckhout Índice | Comunicar Erros |
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