São Paulo, sexta, 11 de dezembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Novas receitas de São Cipriano

CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial

Publiquei, meses atrás, aqui neste mesmo espaço, algumas receitas de São Cipriano. Saio de férias e encontro na correspondência e no e-mail as reclamações de leitores querendo mais e melhor. Não custa atender àquilo que os locutores de rádio anunciam como "insistentes pedidos". Continuo hoje a divulgar piedosas receitas do livro Único e Verdadeiro atribuído ao santo.
Preliminarmente, uma sugestão às autoridades deste país: na página 300 do precioso livro há uma infalível receita para fazer ouro. Acredito que o ministro Malan e o BNDES, preocupados com os nossos lastros, que obrigam o país a andar de rastros pedindo dinheiro aos outros, adquiram o compêndio de São Cipriano. A receita é simples, pois o ingrediente principal é a cabeça de bagre colhida à meia-noite das sextas-feiras. Ora, não nos faltam cabeças de bagre de diversos tamanhos e feitios. E quanto às sextas-feiras, nada há a temer: enquanto não reformarem o calendário, elas virão na véspera dos sábados.
Mas deixemos ao Malan e à Casa da Moeda a vil preocupação com o vil metal. Nós outros passemos a feitiços mais salutares e necessários, como este proveitoso "Enquirimanço de São Cipriano para aquecer mulheres frias".
Ingredientes: raiz de salgueiro: 20 gramas; sementes de saganha brava: duas mãos cheias; cabelos de uma negra com a raiz: 20 dúzias; farinha de amendoim: 30 gramas; cantáridas: três; avelãs: quatro; uma coruja inteira defumada e passada na máquina: obviamente uma.
Modo de preparar: tudo moído e bem misturado até fazer uma bola, a qual deixa-se ao relento por tempo de três noites sem lua. No fim das três noites, abre-se um buraco no colchão da cama da mulher que se deseja aquecer, dizendo este esconjuro: "Pelas chagas de Cristo e pelo amor que voto a (aqui o nome fatal da amada), te esconjuro, salgueiro ligado à saganha, aos cabelos da negra, ao amendoim, às cantáridas e à coruja defumada! Quero que, pela virtude de São Cipriano, essa mulher me ame como eu a amo!"
A receita é eficientíssima. As revistas ditas masculinas, dedicadas ao assunto, poderiam fornecer, por mala postal, os ingredientes necessários. Fica difícil a um morador de Realengo ou do Brás arranjar no mercado as cantáridas, a saganha brava -ou a mansa, que também deve ser difícil de ser identificada e comprada. Talvez não seja trabalhoso defumar uma coruja, mas 20 dúzias de cabelos de uma negra com raiz é problemático. O santo não especificou de onde essas dúzias devem ser tiradas, mas alguns interpretadores, ao longo do século 12, garantem que só servem os pêlos da região pubiana.
Daí que as revistas eróticas, as sérias e as de vulgar sacanagem, poderiam criar um serviço de mailing para ajudar seus leitores. Ganhariam todos.
Garantem também alguns historiadores da magia que tal receita fez furioso sucesso na corte de Pepino, o Breve, que logo se tornaria Pepino, o Grosso, cujo filho bastardo, Pepino, o Longo, numa só noite conseguiu possuir 15 mulheres ardentemente apaixonadas por ele.
Também me perguntam sobre a edificante história de São Cipriano e Elvira no deserto. Essa sairá em breve. Não perdem por esperar.
Finalmente, vamos ao que importa. Aqui está a utilíssima receita para "Obrigar a mulher a confessar se é fiel ou infiel". Apanha-se mel de abelha ao meio-dia de uma terça-feira, unta-se com ele uma cadeira de braços e obriga-se a mulher a sentar na cadeira. Feito isso, bater-se-á na testa da mulher três vezes, dizendo: "Pelo galo que traiu São Pedro, diga-me se tu me trais também!"
A mulher não precisa nem abrir a boca. Basta que se atente para a cadeira: se no dia seguinte aparecer mosca em cima do mel, é comprar revólver e providenciar um bom criminalista como o Evandro Lins e Silva, que em seu tempo de mestre no tribunal do júri absolvia qualquer marido traído que fizesse justiça pelas próprias mãos. Se as moscas, ao invés, recusarem o mel, é que a cara-metade é mais casta do que a Suzana, a casta. É providenciar uma estátua para ela.
Por machismo, não ensinarei a recíproca dessa curiosa mágica. As mulheres interessadas em saber se os amantes e maridos são fiéis que se munam com os enquirimanços de São Cipriano. Pois há também a receita "Para descobrir se o marido é fiel ou infiel aos deveres contraídos para com sua mulher".
Encerrando, ensinarei a mágica que São Cipriano, muito antes do advento do striptease, bolou no deserto, em meio a penitências, "Para se ver dançar nua a mulher que se deseja".
Lá vai: juntem-se três grãos de mostarda, duas cantáridas, uma pedra de enxofre e duas penas de coruja. Coloque-se tudo num lenço de pessoa asmática e deixa-se o enquirimanço na bolsa da mulher que se deseja ver dançar nua.
Depois, apague as luzes, dirija o spotlight para cima da mulher e aproveite. Quando cansar, suborne a polícia, abra um inferninho ou ofereça o número ao programa do Faustão.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.