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Diretor faz anticomemoração dos 500 anos
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
Antônio Araújo, 32, deu entrevista na sala de seu apartamento,
diante de uma imagem dominante de Jesus Cristo. Sua mãe, com
quem mora, é muito religiosa.
O diretor de "Apocalipse 1,11",
"O Livro de Jó" (95) e "Paraíso
Perdido" (92) fala da inspiração
bíblica das peças como resultado,
em primeiro lugar, do momento
em que iniciou a trilogia. No plano pessoal, diz que é um acerto de
contas com momentos de religiosidade e ateísmo no seu passado.
Sobre "Apocalipse", que fecha a
trilogia, diz que é "um trabalho
indignado" e uma "anticomemoração dos 500 anos". Leia, a seguir, trechos da entrevista.
Folha - Qual é a sua visão de
"Apocalipse"? O que é a peça?
Antônio Araújo - Para mim, é
um trabalho indignado. Tem uma
indignação, uma estupefação
diante disso que a gente vive. O
trabalho tenta falar disso. Deste
momento. É quase uma anticomemoração dos 500 anos.
Folha - O que significou, para
você, a trilogia toda?
Araújo - Não existia uma decisão a priori de fazer uma trilogia.
Deu-se dessa maneira, com elementos comuns. Há o suporte bíblico nas três. Os espaços cênicos
são carregados de um forte registro emocional e simbólico.
Folha - A dramaturgia.
Araújo - É, o processo de criação, a dramaturgização. É um
processo que vem da perspectiva
de trabalhar com os atores. A partir das improvisações, você vai levantando o roteiro, a estrutura
textual e o próprio espetáculo.
Chamo de processo colaborativo.
A criação se dá na sala de ensaio.
Folha - O que mudou, de um
espetáculo para o outro?
Araújo - "Paraíso" foi o mais
abstrato. Falava do homem diante
do divino que ele não sabe direito
o que é, da sensação de desligamento da dimensão divina. "Jó"
tinha um questionamento nessa
perspectiva, do homem que se
questiona e questiona Deus, mas
com um dado muito forte que era
a Aids, a peste contemporânea,
um problema concreto, naquele
momento pior do que hoje.
Folha - E "Apocalipse", agora?
Araújo - Em "Apocalipse", sinto
que esse dado que estava na presença da Aids no "Jó" fica mais
concreto ainda. É o espetáculo
que mais desce para a realidade
dos dias de hoje.
Folha - É o menos epifânico.
Araújo - E o menos religioso.
Em "Apocalipse", é como se existissem coisas que precisassem ser
revistas, rediscutidas no plano absolutamente humano. Por exemplo, o tribunal do Juízo Final, na
peça, é um lugar em que nós mesmos devemos nos julgar. O desejo
de falar desta situação que a gente
vive, para mim, está relacionado a
ter me distanciado do país durante quase um ano e meio.
Folha - Existe uma ironia, até
um humor em "Apocalipse".
Araújo - Essa é outra diferença.
Aqui a gente trabalha com o humor, com o cômico. Ainda que
seja um cômico exacerbado, grotesco, você tem esse elemento.
Folha - Por quê?
Araújo - Eu não sabia disso antes de começar os workshops. A
partir do momento em que a gente começou a trabalhar em sala de
ensaio, os atores trouxeram; o
Fernando (Bonassi) trouxe. Eu
adoro a comédia, mas, da comédia de salão, eu não gosto. Eu gosto do cômico neste trabalho. É
mais ácido, você começa a rir e
percebe que talvez não devesse estar rindo daquilo.
Folha - Sua mãe é religiosa. O
que o levou ao tema bíblico?
Araújo - O ponto de partida está
lá mesmo, em 91, 92, no início do
Teatro da Vertigem. Eu propus
que a gente partisse de alguma
coisa que interessasse a todos. E o
tema comum a todas aquelas pessoas, naquele momento, foi a discussão do sagrado. Daí trouxe a
proposta do "Paraíso Perdido" do
Milton, que tinha lido na escola.
Folha - E a sua formação?
Araújo - Do ponto de vista pessoal, tinha uma coisa que era uma
tradição muito forte, religiosa.
Sou mineiro. É difícil tirar isso do
mineiro, essa presença da religiosidade. Passei por uma fase universitária em que a neguei inteiramente. Lembro de um ateísmo
mesmo, de negar Deus, na época
da PUC, USP. Mas nem a experiência de religiosidade, de infância e de adolescência, nem a experiência atéia davam mais conta.
Aí veio quase que uma tentativa
de acerto de contas. É como sinto.
Folha - Tem uma cena de sexo
na peça. Por quê?
Araújo - Essa cena, para mim,
tem peso semelhante ao de outras. Dentro da boate, você tem a
deficiente que fala a Constituição
brasileira, que tem um peso semelhante. Especificamente na cena, a
gente está falando dessa mecanização do sexo, dessa exploração
da mídia, desse estado de degradação. Dentro de um espírito indignado.
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