|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOSTRA
Atriz abre hoje em São Paulo, no Sesc Pompéia, exposição itinerante que marca os 50 anos de carreira
Fernanda vê teatro "doloroso e gozoso"
free-lance para a Folha
A exposição "Fernanda EnCena
- Retrospectiva 50 Anos" contempla meio século de trajetória da
atriz Fernanda Montenegro: da
tradutora Arlete Pinheiro Esteves
da Silva -o nome que ainda estampava a certidão de solteira-
até a consagração internacional
com a indicação para o Oscar em
"Central do Brasil".
Ela comparece hoje à abertura
em São Paulo, no teatro Sesc
Pompéia. E amanhã, no mesmo
endereço, tem encontro informal
com o público.
São Paulo é a oitava cidade a
acolher a exposição itinerante,
que começou no Rio em junho de
99 e deve percorrer outras dez. A
atriz dividiu a curadoria com o cenógrafo J.C. Serroni (leia texto ao
lado).
Uma conversa com Fernanda
Montenegro, 70, impressiona pelos olhos aparentemente marejados e pela recorrência com que
utiliza o pronome "você" em detrimento do "eu", talvez uma herança do distanciamento brechtiano. Na entrevista à Folha, concedida em um camarim, ela fala
da exposição e do ofício de "dar
conta dessa coisa dolorosa e gozosa que é carregar um personagem".
(VALMIR SANTOS)
Folha - Por que não comemorar os 50 anos no palco ou na
frente das câmeras?
Fernanda Montenegro - Essas
coisas arquitetadas com antecedência, muito amarradas, geralmente secam. As coisas boas vêm
por ondas que você não espera.
Houve toda essa história de "Central do Brasil", tive de me ausentar
do país por vários meses. Nessas
condições, que peça fazer? Com
quem fazer? Calhou de um dia eu
me lembrar que tinha 50 anos de
vida pública, 70 anos completados em outubro... Então, surgiu a
idéia de fazer uma exposição, com
tudo o que eu tinha guardado em
malas e gavetas, para concluir esse
grande ciclo.
Folha - Houve alguma imagem
que lhe causou surpresa?
Fernanda - Há registros da pós-adolescência que vão se apagando
e de repente voltam... Sei lá, você
vê fotos de montagens como "A
Moratória", no élan da vida... É
muito tocante. A gente vê o rosto
das pessoas não com esse superposto dos anos que passaram,
mas com o frescor dos traços.
Folha - O fato de a exposição
percorrer várias regiões do país
lhe confere um caráter mambembe?
Fernanda - Isso é a nossa alma,
somos herdeiros de uma vocação
para o mambembe, presente no
teatro brasileiro desde João Caetano, Procópio, Jayme Costa, Alda Garrido, Dulcina de Moraes e
por aí afora. Eles herdaram as
"mambembadas", e isso não é depreciativo, pelo contrário.
Folha - Que impressões a senhora tem colhido do público?
Fernanda - Em Palmas, por
exemplo, uma tribo de índios visitou a exposição e fez um comentário em sua língua no livro de registros. Infelizmente, eu não estava lá nesse momento de glória nacionalista (risos). Em Curitiba, os
sem-terra também visitaram. Entraram homens, mulheres e crianças. Houve um certo susto. Mas
eu disse para os organizadores
não se preocuparem, que deixassem os sem-terra à vontade.
Compramos balas e bombons,
demos para as crianças e todos
passaram parte do dia na exposição.
Folha - A senhora acha que o
teatro brasileiro trata bem os
seus grandes atores? Não são
poucas as histórias de abandono em asilo...
Fernanda - ...Ator é para ser esquecido... A vida do ator dura o
tempo de um suspiro. Uns têm
mais tempo de lembrança por
que conseguiram da vida um certo lastro econômico. Mas muitos
não conseguem isso. E também
não largam o teatro, porque é
uma condenação, uma vocação
total. Agora, todos nós seremos
esquecidos, não fica nada. Ficam
os livros, depoimentos, críticas,
mas o que era realmente você em
cena, ah, isso nem quando você
grava, porque você já não estará
ali em terceira dimensão, "carnificado".
Folha - Nesses 50 anos, a partir
de que momento a sra. sentiu
que era necessário equilibrar a
vida profissional com a pessoal?
Fernanda - Eu não sei como são
as outras profissões, mas acho
que a gente do teatro vive em dois
níveis; pelo menos eu vivo. Eu sou
totalmente esquizofrênica. Acho
que todos nós somos. Leve você
uma vida mais organizada, ou
não; seja careta ou prafrentex;
um ser humano apascentado da
sua sexualidade ou um de furor
testicular ou uterino; seja qual for,
você vai viver em dois níveis.
Além de todas as personagens
particulares da vida privada, você
ainda tem de dar conta dessa coisa dolorosa e gozosa que é carregar um personagem.
Folha - Essa consciência da finitude não a incomoda?
Fernanda - Ela é inarredável.
Nessa exposição, por exemplo,
você ouve sua voz cantando em
59, no "Mambembe", uma voz
absolutamente cristalina, e aí você, quando canta hoje, por um
problema hormonal, nota que a
hidratação já é mais parca. Mas
também é ótima a técnica da voz
que vem com os anos, ganha uma
tessitura interessante... É um ganhar e um perder constante.
Texto Anterior: Da Rua - Fernando Bonassi: Sacola Próximo Texto: "Público vai se sentir no camarim" Índice
|