São Paulo, Quarta-feira, 12 de Janeiro de 2000


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MOSTRA
Atriz abre hoje em São Paulo, no Sesc Pompéia, exposição itinerante que marca os 50 anos de carreira
Fernanda vê teatro "doloroso e gozoso"

free-lance para a Folha


A exposição "Fernanda EnCena - Retrospectiva 50 Anos" contempla meio século de trajetória da atriz Fernanda Montenegro: da tradutora Arlete Pinheiro Esteves da Silva -o nome que ainda estampava a certidão de solteira- até a consagração internacional com a indicação para o Oscar em "Central do Brasil".
Ela comparece hoje à abertura em São Paulo, no teatro Sesc Pompéia. E amanhã, no mesmo endereço, tem encontro informal com o público.
São Paulo é a oitava cidade a acolher a exposição itinerante, que começou no Rio em junho de 99 e deve percorrer outras dez. A atriz dividiu a curadoria com o cenógrafo J.C. Serroni (leia texto ao lado).
Uma conversa com Fernanda Montenegro, 70, impressiona pelos olhos aparentemente marejados e pela recorrência com que utiliza o pronome "você" em detrimento do "eu", talvez uma herança do distanciamento brechtiano. Na entrevista à Folha, concedida em um camarim, ela fala da exposição e do ofício de "dar conta dessa coisa dolorosa e gozosa que é carregar um personagem". (VALMIR SANTOS)

Folha - Por que não comemorar os 50 anos no palco ou na frente das câmeras?
Fernanda Montenegro -
Essas coisas arquitetadas com antecedência, muito amarradas, geralmente secam. As coisas boas vêm por ondas que você não espera. Houve toda essa história de "Central do Brasil", tive de me ausentar do país por vários meses. Nessas condições, que peça fazer? Com quem fazer? Calhou de um dia eu me lembrar que tinha 50 anos de vida pública, 70 anos completados em outubro... Então, surgiu a idéia de fazer uma exposição, com tudo o que eu tinha guardado em malas e gavetas, para concluir esse grande ciclo.

Folha - Houve alguma imagem que lhe causou surpresa?
Fernanda -
Há registros da pós-adolescência que vão se apagando e de repente voltam... Sei lá, você vê fotos de montagens como "A Moratória", no élan da vida... É muito tocante. A gente vê o rosto das pessoas não com esse superposto dos anos que passaram, mas com o frescor dos traços.

Folha - O fato de a exposição percorrer várias regiões do país lhe confere um caráter mambembe?
Fernanda -
Isso é a nossa alma, somos herdeiros de uma vocação para o mambembe, presente no teatro brasileiro desde João Caetano, Procópio, Jayme Costa, Alda Garrido, Dulcina de Moraes e por aí afora. Eles herdaram as "mambembadas", e isso não é depreciativo, pelo contrário.

Folha - Que impressões a senhora tem colhido do público?
Fernanda -
Em Palmas, por exemplo, uma tribo de índios visitou a exposição e fez um comentário em sua língua no livro de registros. Infelizmente, eu não estava lá nesse momento de glória nacionalista (risos). Em Curitiba, os sem-terra também visitaram. Entraram homens, mulheres e crianças. Houve um certo susto. Mas eu disse para os organizadores não se preocuparem, que deixassem os sem-terra à vontade. Compramos balas e bombons, demos para as crianças e todos passaram parte do dia na exposição.

Folha - A senhora acha que o teatro brasileiro trata bem os seus grandes atores? Não são poucas as histórias de abandono em asilo...
Fernanda -
...Ator é para ser esquecido... A vida do ator dura o tempo de um suspiro. Uns têm mais tempo de lembrança por que conseguiram da vida um certo lastro econômico. Mas muitos não conseguem isso. E também não largam o teatro, porque é uma condenação, uma vocação total. Agora, todos nós seremos esquecidos, não fica nada. Ficam os livros, depoimentos, críticas, mas o que era realmente você em cena, ah, isso nem quando você grava, porque você já não estará ali em terceira dimensão, "carnificado".

Folha - Nesses 50 anos, a partir de que momento a sra. sentiu que era necessário equilibrar a vida profissional com a pessoal?
Fernanda -
Eu não sei como são as outras profissões, mas acho que a gente do teatro vive em dois níveis; pelo menos eu vivo. Eu sou totalmente esquizofrênica. Acho que todos nós somos. Leve você uma vida mais organizada, ou não; seja careta ou prafrentex; um ser humano apascentado da sua sexualidade ou um de furor testicular ou uterino; seja qual for, você vai viver em dois níveis. Além de todas as personagens particulares da vida privada, você ainda tem de dar conta dessa coisa dolorosa e gozosa que é carregar um personagem.

Folha - Essa consciência da finitude não a incomoda?
Fernanda -
Ela é inarredável. Nessa exposição, por exemplo, você ouve sua voz cantando em 59, no "Mambembe", uma voz absolutamente cristalina, e aí você, quando canta hoje, por um problema hormonal, nota que a hidratação já é mais parca. Mas também é ótima a técnica da voz que vem com os anos, ganha uma tessitura interessante... É um ganhar e um perder constante.


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