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Aos 71, Hilda Hilst perde o rótulo "maldita", ganha "obra completa" e volta a escrever
A plenitude da obscena senhora HH
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Dia nublado. Em frente a uma
lareira sem fogo, Hilda Hilst acende outro cigarro. Ao seu lado, um
relógio pendurado em uma parede cor de goiaba tem os ponteiros
quebrados e a inscrição: "É mais
tarde do que supões".
Tudo errado. O dia deveria estar
ensolarado, a lareira brilhando, o
cigarro apagado. Não é tarde, como pode supor o cuco na parede.
Aos 71 anos, um dos grandes nomes da literatura brasileira chega
agora à plenitude.
A partir deste mês, ambicioso
projeto da editora Globo descasca
a carapaça de "maldita" que envolve a escritora e passa a publicar
todos os 40 livros que ela lançou
aqui e ali, quase em segredo.
As engrenagens já começaram a
rodar. Estão chegando a livrarias
de todo o país este mês as reedições da ficção "A Obscena Senhora D", de 1982, e do volume de
poesia "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão", safra 1974.
"Parece relançamento, mas é,
em alguns termos, um lançamento. Até hoje Hilda não foi verdadeiramente lida", diz Alcir Pécora, professor de literatura da Unicamp e organizador da reedição.
O projeto chegou com surpresa
na Casa do Sol, nome da espaçosa
moradia a 11 km de Campinas onde Hilda Hilst vive com o amigo
escritor Mora Fuentes e com 64
cachorros vira-latas (é isso aí).
Depois de 50 anos de trincheiras
literárias, que a autora começou a
cavar na exuberância dos 18 anos,
quando já era elogiada até por Cecília Meireles, Hilda tinha desistido de escrever.
"Nunca achei que iam me ler
mesmo", expressa a escritora,
gesticulando um dos 40 cigarros
Chanceller que traga por dia.
Desde 1997, a poeta (não experimente chamá-la de poetisa: "Aí eu
fico raivosa. Poetisa dá idéia de
moça prendada") vinha anunciando que havia encerrado a carreira. Em primeira mão, ela revela
à Folha que voltou a produzir.
Encavaladas no cotidiano de leituras obsessivas, uma torre de livros abertos sobre a mesa comprova, estão as esparsas sessões de
escritura do livro "O Koisa", no
qual a autora balanceia poesia e
prosa para discorrer sobre o caroço da azeitona de uma empada.
No tempo que resta, ela brinca
com os vira-latas Cavalinha, Nenê
e Mr. Toto ("ele foi educado na
Inglaterra"), conversa com amigas como Lygia Fagundes Telles e
investiga a imortalidade, sua
crença mais arraigada. "Vou
transformar minha casa na Fundação Hilda Hilst de Estudos da
Alma", conta a escritora, que todas as noites antes de dormir
sempre repete "Filhos da luz, luz
do criador, ajude a Terra".
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