São Paulo, sábado, 12 de janeiro de 2002

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TELEVISÃO

Atração da CNN filmada por cineasta leonês ajudou a libertar três crianças sequestradas por guerrilhas rebeldes

Documentário mostra efeitos da guerra em Serra Leoa

MARCELO STAROBINAS
DE LONDRES

Após quatro meses falando exclusivamente sobre um assunto -os atentados de 11 de setembro e o consequente combate ao terrorismo liderado pelos EUA-, as grandes redes internacionais de notícias aos poucos voltam a retratar outros problemas que continuam a afligir a humanidade.
Um dos melhores exemplos disso é a exibição, hoje e amanhã, do documentário "Retorno a Freetown" na rede de TV a cabo norte-americana CNN.
No filme, o cineasta de Serra Leoa Sorious Samura volta à sua terra natal para contar a história das crianças que foram roubadas de suas famílias, drogadas, violentadas e exploradas como soldados durante a guerra civil (1991-2001).
Samura e sua equipe viajam a uma região ainda controlada pela guerrilha rebelde Frente Revolucionária Unida e convencem seus chefes guerreiros a libertar três crianças. O cineasta ajuda a reuni-las a suas famílias, de quem haviam estado separadas por até dez anos. Registra imagens comoventes das dificuldades enfrentadas por jovens que, transformados a contragosto em frios assassinos, esperam agora reconstruir suas vidas numa terra arrasada.
"O que houve em Serra Leoa não foi apenas uma guerra civil, foi um abuso da inocência", disse Samura, antes de exibição especial para a imprensa em Londres. "Este filme é sobre o abuso de crianças. Não foi feito apenas para uma audiência ocidental curiosa por saber o que houve em Serra Leoa. Foi feito principalmente para as dezenas de milhares de pessoas que ainda temem que suas crianças sejam roubadas, estupradas, drogadas."
Após uma década de atrocidades, uma intervenção de tropas do Reino Unido e da ONU e a prisão do comandante rebelde Foday Sankoh ajudaram a pôr fim à guerra civil. Desde então, agências de ajuda humanitárias se deparam com a difícil tarefa de recuperar as pelos menos 7.000 crianças sequestradas para lutar nas forças rebeldes. Muitas delas estão mutiladas ou perderam a família durante a guerra e não têm uma casa para onde regressar.
Samura leva uma vantagem em relação às dezenas de jornalistas estrangeiros que já estiveram em Freetown para relatar mais um cruel conflito africano. Negro e falando o mesmo idioma de seus entrevistados, conquista rapidamente a confiança das crianças guerreiras, que costumam relutar em confessar os seus crimes.
Ao cineasta leonês, elas contam detalhes macabros sobre como foram obrigadas a massacrar civis inocentes, amputar pernas e braços de crianças e mulheres com facões -para amedrontar o restante da população- ou como dançavam em ritmo de festa enquanto queimavam os corpos de suas vítimas sobre pilhas de pneus em chamas.
Os comandantes rebeldes as drogavam com métodos brutais, injetavam substâncias como cocaína direto no cérebro ou abriam feridas em suas cabeças e faziam curativos cobertos de pólvora, cujos efeitos entorpecentes são devastadores.
Este é o terceiro filme que Samura produz para o conglomerado de comunicações do bilionário dos EUA Ted Turner.
"Retorno a Freetown", cuja estréia mundial ocorreu na quinta-feira, vai ao ar novamente hoje, às 12h e 18h, e amanhã, às 11h e 19h. Sua duração é de aproximadamente 40 minutos.


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