São Paulo, sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

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Crítica

Em "O Passageiro", Tambellini retrata adolescência com sutileza e discrição

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"O Passageiro - Segredos de Adulto" é um filme diferente. Não espere grandes extravagâncias, pobres se matando entre si, sangue, choro e ranger de dentes. Nem tampouco o riso histérico das "sitcoms" à brasileira. A força do segundo longa de Flávio Tambellini está na discrição e na sutileza.
Tudo se resume, no final das contas, à precipitada passagem da adolescência à idade adulta empreendida por um garoto tímido, Antônio (o excelente estreante Bernardo Marinho, de 16 anos na época das filmagens), filho de Mauro, um banqueiro e ex-piloto de carros de corrida (Antônio Calloni).
A relação entre pai e filho é difícil, marcada pelo silêncio e pela desconfiança mútua. Antônio, que quer fazer cinema, suspeita que o pai esteja envolvido em falcatruas. Mauro, por sua vez, teme que o filho se torne um inútil, incapaz da luta selvagem pela sobrevivência no mundo capitalista.
A morte abrupta do pai lança o garoto num abismo de culpa e confusão. Desconfiando de um crime, ele se empenha, primeiro, em descobrir as circunstâncias da morte. Acaba investigando a vida oculta do pai (amante, amigos, ocupações) e no final do processo conhece um pouco mais de si mesmo.
A qualidade maior de "O Passageiro" está nas suas recusas. O filme, baseado em romance de Cesário Mello Franco, acena a todo momento com linhas de desenvolvimento que ele deliberadamente deixa em aberto.
Pontos sem nó, na contramão do cinema de fórmula que domina as telas do mundo.
Há, por exemplo, a sugestão de uma trama político-financeira por trás da morte do banqueiro. Aos poucos ela se dissolve, assim como o esboço de interesse amoroso entre Antônio e uma colega, ou a ameaça de um envolvimento do garoto com traficantes de drogas.
É como se o diretor dissesse:
"Eu podia seguir por este caminho, se quisesse fazer um policial de suspense; ou por este outro, se pretendesse um melodrama familiar; ou ainda por aquele, se a idéia fosse uma comédia adolescente. Mas não é nada disso o que me interessa".
"O Passageiro" é, essencialmente, um "filme de personagens", como definiu o próprio Tambellini. Isso quer dizer que as criaturas ali exibidas na tela não estão reduzidas a peças unidimensionais de uma trama mecânica. Pelo contrário: são contraditórias, vacilantes, cheias de sombras, arestas e desvãos. Gente como a gente, em suma. Um belo filme.


O PASSAGEIRO - SEGREDOS DE ADULTO    
Direção: Flávio Tambellini
Produção: Brasil, 2006
Com: Bernardo Marinho, Antônio Calloni, Giulia Gam, Carolina Ferraz
Quando: a partir de hoje nos cines Bombril, Bristol e Reserva Cultural


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