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Crítica
Em "O Passageiro", Tambellini retrata adolescência com sutileza e discrição
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"O Passageiro - Segredos de Adulto" é
um filme diferente. Não espere grandes extravagâncias, pobres se matando entre si, sangue, choro e ranger de
dentes. Nem tampouco o riso
histérico das "sitcoms" à brasileira. A força do segundo longa
de Flávio Tambellini está na
discrição e na sutileza.
Tudo se resume, no final das
contas, à precipitada passagem
da adolescência à idade adulta
empreendida por um garoto tímido, Antônio (o excelente estreante Bernardo Marinho, de
16 anos na época das filmagens), filho de Mauro, um banqueiro e ex-piloto de carros de
corrida (Antônio Calloni).
A relação entre pai e filho é
difícil, marcada pelo silêncio e
pela desconfiança mútua. Antônio, que quer fazer cinema,
suspeita que o pai esteja envolvido em falcatruas. Mauro, por
sua vez, teme que o filho se torne um inútil, incapaz da luta
selvagem pela sobrevivência no
mundo capitalista.
A morte abrupta do pai lança
o garoto num abismo de culpa e
confusão. Desconfiando de um
crime, ele se empenha, primeiro, em descobrir as circunstâncias da morte. Acaba investigando a vida oculta do pai
(amante, amigos, ocupações) e
no final do processo conhece
um pouco mais de si mesmo.
A qualidade maior de "O Passageiro" está nas suas recusas.
O filme, baseado em romance
de Cesário Mello Franco, acena
a todo momento com linhas de
desenvolvimento que ele deliberadamente deixa em aberto.
Pontos sem nó, na contramão
do cinema de fórmula que domina as telas do mundo.
Há, por exemplo, a sugestão
de uma trama político-financeira por trás da morte do banqueiro. Aos poucos ela se dissolve, assim como o esboço de
interesse amoroso entre Antônio e uma colega, ou a ameaça
de um envolvimento do garoto
com traficantes de drogas.
É como se o diretor dissesse:
"Eu podia seguir por este caminho, se quisesse fazer um policial de suspense; ou por este
outro, se pretendesse um melodrama familiar; ou ainda por
aquele, se a idéia fosse uma comédia adolescente. Mas não é
nada disso o que me interessa".
"O Passageiro" é, essencialmente, um "filme de personagens", como definiu o próprio
Tambellini. Isso quer dizer que
as criaturas ali exibidas na tela
não estão reduzidas a peças
unidimensionais de uma trama
mecânica. Pelo contrário: são
contraditórias, vacilantes,
cheias de sombras, arestas e
desvãos. Gente como a gente,
em suma. Um belo filme.
O PASSAGEIRO - SEGREDOS DE ADULTO
Direção: Flávio Tambellini
Produção: Brasil, 2006
Com: Bernardo Marinho, Antônio Calloni, Giulia Gam, Carolina Ferraz
Quando: a partir de hoje nos cines Bombril, Bristol e Reserva Cultural
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