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Ninfetas são as últimas mulheres inalcançáveis
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
A revista ``Paparazzi'', especializada em fotografia, põe
nas bancas o que se convencionou chamar de ``material polêmico'' em sua última edição.
Trata-se de algumas fotos do
livro ``Anjos Proibidos'', de Fábio Cabral, recolhido pela Justiça em 1991.
Em ``Anjos Proibidos'', e agora na revista ``Paparazzi'', são
mostradas fotografias de ninfetas. Segundo a Justiça, infringia-se o Estatuto do Menor
e do Adolescente. Os escândalos de pedofilia na Bélgica iniciaram uma onda repressiva
que agora atinge, por exemplo,
a refilmagem de ``Lolita''. Como nos anos 60 com o filme de
Kubrick, e antes disso, com o
romance de Nabokov, pretende-se proibir a história do cinquentão Humbert e de sua enteada adolescente.
Neste clima francamente antipedófilo, surge como grande
ousadia a iniciativa da revista.
As fotos de David Hamilton,
nos anos 70, mostravam meninas púberes em poses românticas, num foco impressionista.
Eram vagamente perversas,
mas ninguém, segundo me
consta, pensou em proibi-las.
Vejo agora as fotos de Fábio
Cabral. Garotas de uns treze
anos, ou menos, mostram-se
com carinhas mal-humoradas,
arabescos de pernas e esboços
de seios nas páginas da revista.
Escândalo? Exploração da
criança e do adolescente? Não
sei. As fotos não são pornográficas, longe disso. Claro que as
meninas são lindas. Mas até
que ponto a qualidade estética
de uma foto, de um desenho,
absolve um autor da acusação
de ser perverso?
Lembro-me quando entrou
em cartaz o filme ``Morte em
Veneza'', de Visconti. Dirk Bogarde ficava fascinado pela beleza do adolescente Tadzio, todo ele desengonço e graça quebradiça com uma coroa de cabelos louros, leoninos. Logo
vieram os comentários: não,
Aschenbach (o personagem de
Dirk Bogarde) não era homossexual, era apenas um esteta.
Era um modo de moralizar o
filme. Se a atração é estética,
tudo bem; mas se fosse sexual,
aí a coisa muda de figura.
De modo que falar da ``qualidade estética'' desta ou de outra foto -das de Fábio Cabral,
das de Mapplethorpe, por
exemplo- é uma forma de fugir à discussão que está sendo
proposta.
É como se a arte fosse, digamos, o reino da inocência, da
pura fruição formal, alheia a
qualquer conteúdo, a qualquer
matéria. Fábio Cabral poderia
ter tirado fotos de velhinhos ou
de mendigos, assim como Sebastião Salgado tira fotos de
trabalhadores ou de migrantes, e só importaria, ao crítico,
notar a simetria, o agenciamento das luzes e dos contornos, a angulação, a regularidade plástica, o ``olhar'' que se
cristaliza em cada negativo revelado.
Falar de ``estética'', aqui, seria mais do que nunca fugir do
assunto. Do mesmo modo que
Sebastião Salgado, Fábio Cabral está interessado em evidenciar ``conteúdos'' -assuntos, temas, vivências, fantasias- e não simplesmente formas bonitas. Suas fotos em
``Anjos Proibidos'' querem
mostrar ninfetas deliciosas,
corpinhos sensacionais, não há
dúvida quanto a isso.
Há pedofilia em ``Anjos Proibidos''? Certamente. Seria hipócrita, e ao mesmo tempo verdadeiro, falar de valor estético
nas fotos que a revista ``Paparazzi'' está publicando.
Ninguém vai negar que a infância e adolescência constituem a idade de ouro da beleza
humana. Tem-se, entretanto,
uma ambiguidade entre a beleza que é enternecimento e
encanto, e a beleza que é desejo sexual. Nas fotos das ninfetas da revista, vejo ao mesmo
tempo um gesto de sedução e
uma aparência de pureza; um
misto de casualidade e provocação, de inocência e de pecado.
Obviamente, é isto o que excita o ``voyeur'', o fotógrafo, o
pedófilo. Tenho algumas conclusões desagradáveis a tirar
sobre a pedofilia e sobre a antipedofilia.
O pedófilo é, no fundo, um
moralista. Como tantas outras
formas da sexualidade contemporânea (penso no sadomasoquismo e nas blasfêmias
religiosas de Madonna), o que
se busca, como fonte de excitação, é o proibido, o escandaloso. Todo libertino paga seu dízimo à igreja, pois o que o estimula é o proibido, o impensável.
Ou, num raciocínio inverso:
toda igreja, toda moral, oferece um óbolo ao pecador, quando proíbe aquilo que nem ele
sabia ser excitante.
Por certo, em toda essa história de lolitas e ninfetas está em
jogo o fato de que são proibidas. Nas fotografias da revista,
vejo um misto de provocação e
inocência, de pureza e de libertinagem. A graça erótica está
nisso, na conquista da mulher
proibida.
Pois hoje em dia não há mais
mulher proibida. De Daniela
Mercury a Silvia Pfeiffer, de
Malu Mader a Hebe Camargo,
todas expõem sua liberdade sexual, sua disponibilidade física aos olhos do consumidor.
Como toda mulher erotizou-se
e está amplamente comercializada, nos anúncios de absorvente e nos suores de um trio
elétrico, é natural até certo
ponto que o desejo romântico,
que o velho amor cortês, que os
antigos tabus românticos se
voltem para os ``anjos proibidos'', para as ninfetas, últimas
mulheres inalcançáveis, últimos ícones sagrados de nossa
cultura.
A culpa de Nabokov, de David Hamilton, de Fábio Cabral, está em lançar crianças
como objetos de desejo. Mas a
pedofilia é explicável pelo romantismo a que me referi no
parágrafo anterior.
E a antipedofilia? Será que é
inocente? Durante muitos séculos, uma menina de 14 anos
era considerada pronta para o
casamento. De uma hora para
outra, decidiu-se que só depois
de 18 anos uma mulher pode
ser legitimamente desejável
por um homem. Se ela tiver 15,
e o homem 40, o homem é um
monstro, e a mulher uma vítima.
Isto é uma hipocrisia. Mais
do que uma hipocrisia, é um
sintoma. Toda a voga de antipedofilia é contemporânea de
uma extrema sexualização das
crianças. Meninas de sete anos
usam os bustiês e as botinhas
da Xuxa. Nos programas infantis, ensina-se a rebolar com
shortinhos de couro preto. A
dança da garrafa é um patrimônio cultural da infância
brasileira. Paquitas e marazinhas angélicas explodem de
sensualidade inocente (inocente?) no horário da tarde.
Nos Estados Unidos, há até
um concurso de miss para
crianças; vi na TV a cabo meninas lindinhas de salto alto,
maquiadas.
Minha opinião é que a censura à pedofilia é um sintoma
dessa própria sexualização da
infância. Censura-se o que se
deseja. Reprime-se o que não
se quer ver reprimido.
Talvez seja esta a definição
de perversão: o interesse pelo
proibido. Mas se alguém disser
que fotos de crianças estimulam o abuso sexual contra menores, posso responder que fotos de mulheres adultas na
``Playboy'' estimulam o estupro...
A questão é bem mais complexa. Veja-se o caso do professor Gérard Lebrun. Emérito e
adorado professor de filosofia
na USP. Foi acusado de comprar fotos pornográficas com
crianças.
Pessoalmente, acredito que
este não seja o seu barato.
Mas... e se fosse? Sua condição
seria semelhante, creio eu, à do
consumidor de drogas. Deve
ser condenado e criminalizado? Não foi ele, foi o traficante,
quem organizou as crianças
em poses obscenas.
O pedófilo merece ser tratado
como viciado ou como traficante? Mas que cura existe para a obsessão sexual, que seja
equivalente à cura de uma dependência química? Não existe
coisa assim.
O fato é que quanto mais se
condena a pedofilia, mais estimulado está o interesse por
ninfetas, crianças, adolescentes. Claro que nada há de mais
horrível do que a prostituição
infantil na Tailândia, ou na
Amazônia -o livro de Gilberto Dimenstein sobre este último ponto traça um quadro de
verdadeiro pesadelo.
Mas todo o ruído em torno
do assunto é suspeito; toda repressão tende a ser culposa,
porque entende da atração que
está em jogo. Atração que é feita do proibido, que se alimenta
de uma beleza ingênua e cúmplice. Ninguém é inocente neste jogo; nem quem proíbe, nem
quem fotografa, nem quem comenta, nem as próprias ninfetas, que em geral sabem muito
bem o que estão fazendo.
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