São Paulo, quarta, 12 de fevereiro de 1997.

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MARTE ATACA

Depois de apertarem a mão do presidente dos EUA e discursarem na Casa Branca, os marcianos chegam a São Paulo para dois dias, hoje e amanhã, de uma superpré-estréia que atingirá 12 cinemas da cidade. Com um elenco estelar liderado por Jack Nicholson, "Marte Ataca!" entra em cartaz nas salas de todo o Brasil a partir da próxima sexta-feira. O filme é um resgate de clássicos cards de ficção científica dos anos 60, que invadem as telas sob a visão excêntrica do diretor Tim Burton ("Batman", "Eduardo Mãos de Tesoura"). "Marte Ataca!" é considerado o antídoto à patriotada de "Independence Day", ao fazer dos homenzinhos verdes um bando de Beavis e Butt-Heads extraterrestres que faz chacota da nação de Bill Clinton e pulveriza com suas pistolas de raios o atual modo de vida americano.

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Não é de espantar que "Marte Ataca!" tenha sido um "flop" nos EUA. Nem seria concebível que o mesmo público de "Independence Day" -o grande sucesso de bilheteria do ano passado- engolisse a caricatura ácida que Tim Burton faz da América.
Existe uma lógica cruel em "Marte Ataca!", que começa quase como uma comédia tipo besteirol. Lá estão o presidente dos EUA (Jack Nicholson), preocupado exclusivamente em saber se a chegada dos marcianos "é boa para nós" ou não. Ou a repórter de TV, ocupada em cultivar a própria imagem, entrevistando o intelectual "aberto", que exala vaidade e teoriza sobre algo que desconhece (os marcianos).
Lá estão o general pacifista e o belicista; a "América profunda", machista, fechada em si mesma, e os adeptos das pirâmides.
Em suma, Tim Burton constitui sua Terra como um jogo de espelhos. O presidente reflete-se na mídia, a repórter reflete-se no cientista. E todos (ou quase) são refletidos na tela de TV: dos cassinos de Las Vegas até os asilos para idosos.
Existe assim uma igualdade narcisista, em que todos se identificam a todos. É esse império do mesmo que Marte vem estragar.
Subitamente, todos são confrontados com algo diferente. Com o diferente. Os marcianos.
A invasão de seres verdes com cabeças enormes (tal qual os marcianos eram concebidos antes da TV) não nos leva propriamente a uma invasão de Marte. Quem irrompe no filme é o passado, a história, um imaginário "inocente" em relação ao que hoje os efeitos especiais são capazes de criar.
Desde então, "Marte Ataca!" não é mais uma comédia (ou só é episodicamente). A multidão de clichês lançada logo de início começa a fazer água. O que era conhecido, até demais, começa a se tornar opaco. As certezas da ciência, da política, da mídia, do militarismo, do nacionalismo desmontam-se ridiculamente, mas também tragicamente.
Se "Marte Ataca!" termina se afirmando como um filme de terror -mais do que como comédia-, é em grande parte porque o que Burton ataca é a idéia de crença, de um saber baseado na fé ou nos costumes que descarta a dúvida e se mostra incapaz de lidar com o desconhecido, com a alteridade (com exceção de alguns "outsiders", como a velhinha, seu neto, o ex-lutador de boxe).
Também nesse sentido, "Marte Ataca!" é o negativo de "Independence Day". Ali se afirmava a existência de um mundo uno, coeso -televisivo, democrático e norte-americano. Aqui é o desconhecido que vem do espaço, para revolver um "establishment" seguro de si, instalado no poder, e nem por isso menos feroz.

Filme: Marte Ataca!
Produção: EUA, 1996
Direção: Tim Burton
Com: Jack Nicholson, Glenn Close
Quando: pré-estréia em SP hoje e amanhã; estréia nacional sexta-feira


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