São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 2006

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DVDS

DOCUMENTÁRIO/"A BATALHA DO CHILE"

Guzmán deixa a esquerda perplexa

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

"A Batalha do Chile" é a melhor aula sobre a América Latina no século 20 que o cinema já construiu.
Seu autor, o documentarista Patricio Guzmán, 64, lembra os meses que passou caminhando (muitas vezes correndo) nas ruas de Santiago, câmera à mão, "como se fosse um bombeiro" (em suas próprias palavras) e não um cineasta. Isso porque, durante a ascensão e queda de Salvador Allende (1970-1973), as coisas simplesmente não paravam de acontecer no Chile.
Em 285 minutos divididos em quatro DVDs, assistimos ao líder socialista tomar posse sob os gritos apaixonados de uma multidão. De modo caótico, vemos crescer as manifestações pró e contra as políticas de nacionalizações daquele governo, a formação das assembléias populares, os enfrentamentos entre os diversos líderes sindicais e patronais e, principalmente, a radicalização entre esquerda e direita que, inevitavelmente, apontava para o fim trágico daquele regime -que ocorreu, enfim, com a tomada do Palácio de La Moneda em 11 de setembro de 1973, o suicídio de Allende e o início do regime militar comandando por Augusto Pinochet.
Era de se supor que um material rodado no calor de tensos acontecimentos e em condições precárias resultasse num filme rústico, cru. Mas não é o que acontece. Guzmán é um obcecado por detalhes, que trata de forma artística.
Se está numa reunião de operários, preocupa-se em retratar o latão onde um homem apóia o calçado empoeirado. Quando diante de militares, foca a firmeza com que seguram as luvas. Ao registrar um verborrágico depoimento de um líder sindical anônimo, não perde de vista olhares de quem está atrás dele.
Não há dúvidas de que Guzmán fez um documentário de esquerda. A movimentação de ativistas de direita é imediatamente tachada de baderna ou de manifestação fascista, enquanto a esquerda reflete, em sua visão, sempre os legítimos anseios populares.
O cineasta, que conseguiu salvar o filme por meio da embaixada da Suécia logo após a tomada do poder por Pinochet, não nega sua tomada de partido. Editou o filme em Cuba como quem trata um panfleto, e, após concluí-lo, em 1979, distribuiu-o pelos quatro cantos, inconformado com o que acontecia em seu país.
Mas o que mais interessa em "A Batalha do Chile" é saber que aquelas cenas aconteceram mesmo e que ainda hoje são capazes de aterrorizar tanto simpatizantes da esquerda como de direita.
É de se lamentar que o filme não tenha sido exibido em circuito comercial no Brasil. Foi visto apenas por quem conseguiu ingressos para as sessões realizadas na 29ª Mostra de SP, no ano passado. Agora está disponível para quem puder gastar R$ 134,90 para adquirir a caixa. Valor que, ironicamente, mostra que o capitalismo venceu de verdade.


A Batalha do Chile
    
Diretor:
Patricio Guzmán
Distribuidora: Videofilmes (R$ 134,90, preço sugerido; box c/ quatro discos)



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