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GUILHERME WISNIK
A política da "polis"
Na Grécia Antiga, não existe relação entre o domínio privado a uma ordenação hierárquica na cidade
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DE QUE MODO as relações sociais se materializam no desenho urbano? Há correspondência entre os pensamentos filosófico, religioso e político de uma
sociedade e a disposição espacial de
seus edifícios, ruas e praças?
Não há dúvida de que essas conexões hoje, na generalidade multiforme dos aglomerados urbanos, parecem nubladas ou esgarçadas. Elas,
no entanto, têm um papel fundamental na cultura ocidental, tendo a
Atenas do século 5 a.C. como paradigma. Tal é o subtexto de uma série
de livros que Jonas T. S. Malaco,
professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, tem lançado pela Alice Foz. As edições são
de uma economia espartana, e a narrativa segue uma cadência cautelosa, evitando assertivas muito teóricas e se aproximando dos conteúdos
por sugestões empíricas, de modo
discretamente socrático.
Ao nos debruçarmos sobre o traçado da cidade no período áureo da
democracia, conduzidos por Malaco, percebemos o quanto o "logos"
grego se distingue da racionalidade
cartesiana e iluminista. É por isso
que, no caso, a ausência de um desenho regular e integrador para a trama viária não pode ser tomado como "irracional".
Na "polis" da democracia, construída pela autonomia afirmativa de
seus cidadãos, não existe um plano
superior que submeta o domínio
privado a uma ordenação hierárquica. Ela se estrutura pela combinação
dessa trama irregular a uma série de
espaços públicos representando poderes e atividades distintas: a Ágora,
ao rés do chão, lugar de organizações
administrativas e comércio, a Acrópole, centro religioso situado sobre
um platô elevado, o Areópago, colina
intermediária que abriga o conselho
de anciãos, e a Pnyx, nome dado a
uma colina um pouco mais alta, sede
da assembléia política.
É dessa última que trata "O Lugar
da Assembléia dos Cidadãos de Atenas" (R$ 25,40; 64 págs.). No livro,
Malaco aprofunda o nexo vital entre
espacialidade e poder, que acompanha a transformação da Pnyx. Inicialmente, ela se configurou como
um anfiteatro a céu aberto, tendo a
cidade como fundo para o discurso
do orador. Sendo a cidade o tema
permanente da assembléia, lá estava
ela materializada diante de todos,
pondo termo concreto à discussão.
Contudo, no final do século 5, o
anfiteatro é substituído por outro,
construído contra a topografia do
terreno, de costas para a cidade. Mudança que coincide com a passagem
da democracia para a oligarquia. Significativamente, nesse período o
discurso separa-se do seu objeto,
torna-se retórico, e a cidade passa a
figurar mais nas "idéias" filosóficas
do que na política. Os cidadãos, observa, tornam-se "espectadores de
palavras", e o teatro de comédia vem
retratar a cisão entre a vida pública e
a vida privada, e a tendência de cada
um a tratar, doravante, dos assuntos
de interesse próprio.
Seu objeto de estudo é a Antigüidade. Mas o leitor atento não deixará de sentir o nexo entre "discurso" e "cidade" como uma indagação pulsante diante da situação atual. Será
que essa conexão se perdeu ou está
soterrada sob profundas camadas
ideológicas?
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