São Paulo, terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

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A dona da banda

Ex-carcereira e ex-segurança, a cantora americana Sharon Jones, 52, é redescoberta após "empurrãozinho" de Amy Winehouse

Kelly Joe Garner
Sharon Jones em show


THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Sharon Jones possui uma voz potente, de alcance profundo, que utiliza para buscar uma certa pureza perdida da soul music. Hoje, aos 52 anos, finalmente ela se tornou um nome conhecido, e para isso contou com um empurrãozinho involuntário de Amy Winehouse.
Não que Sharon Jones tenha uma dívida com a britânica de 24 anos, que anteontem ganhou cinco troféus Grammy. Pelo contrário: Winehouse foi atrás de Jones para confeccionar seu pop com forte sotaque da soul music dos anos 1960.
Após ouvir discos de Jones, Winehouse e o produtor Mark Ronson foram até Nova York e contrataram os Dap-Kings, a banda de Jones, para tocar no disco "Back to Black", lançado em 2006 por Winehouse e que já vendeu mais de 6 milhões de cópias no mundo todo.
Após o estouro de "Back to Black", muita gente foi atrás da banda responsável por aqueles timbres que remetiam aos clássicos dos selos Motown e Stax -chegaram aos Dap-Kings e, por tabela, a Jones, que desde então teve em sua agenda uma multiplicação de shows.
"Aquela é nossa música, mas não é para nós... Quem sabe no ano que vem nós é que estaremos lá...", disse Sharon Jones à Folha, por telefone, na última sexta-feira, dois dias antes da premiação do Grammy.
"Ela e Ronson chamaram minha banda para tocar com eles. Porque eles perceberam que o som que fazemos é único. Não fico enciumada, foi importante o que ela fez, sim. Fico orgulhosa que nossa música tenha recebido essa repercussão."
Até chegar a Amy Winehouse e a "100 Days, 100 Nights" (2007), seu terceiro e mais recente disco com os Dap-Kings, a história de Jones passou por igrejas e por empregos como carcereira de prisão e segurança de carro-forte.

James Brown
Sharon Jones nasceu em maio de 1956, na Geórgia (EUA). Mudou-se para Nova York ainda criança e começou a cantar em corais de igreja.
Na adolescência, foi backing vocal de bandas de funk e disco. Desde aquela época, já era fanática por soul music.
"Eu cresci ouvindo tudo de soul music: Motown, Stax, James Brown... Quando me perguntam como faço minha música hoje, respondo: "É porque eu cresci no meio disso"."
Nos anos 70, emprestou a voz a diversos artistas e bandas, mas não conseguiu contrato para um disco próprio.
"Ninguém me aceitava na indústria da música. Diziam que eu era muito negra, que eu era muito gorda... Diziam que eu era muito nova, que não era bonita o suficiente", relembra.
"Aos 25 anos, me disseram que eu estava velha... Então fui fazer outras coisas." Entre essas coisas, estão dois anos como carcereira na penitenciária de Ryker's Island, em Nova York, e um período como segurança de carro-forte do Wells Fargo Bank, também em Nova York.
"Quando tinha 30 anos, fiz um teste na polícia. Mas disseram que eu estava velha... Então arrumei um emprego na prisão. Foi uma grande experiência, fiquei lá por dois anos. Depois fui segurança em carro-forte. Trabalhava armada, colocando dinheiro em caixas eletrônicos. Só depois encontrei os caras da Desco."

Encontro com Dap-Kings
Em 1996, dois produtores da Desco Records se preparavam para gravar um disco com Lee Fields. Ali Sharon Jones reencontrou a indústria da música.
"Na época, os Dap-Kings chamavam Soul Providers e tocariam naquele disco. Meu ex-marido tocava saxofone no grupo. Os produtores queriam três garotas para fazer vocal de apoio, e meu ex-marido me indicou. Eu disse a eles: "Por que usar três garotas se eu posso fazer isso sozinha?'", relembra, rindo. "E assim minha carreira finalmente tomou rumo."
De lá para cá, a Desco Records deu lugar à Daptone Records, selo que funciona como uma família nos moldes da Motown (leia texto nesta página).
Antes do "fator Amy Winehouse", Sharon Jones e os Dap-Kings gravaram pela Daptone dois álbuns: "Dap Dippin" with Sharon Jones & the Dap-Kings" (2001) e "Naturally" (2005). Depois, veio o elogiado "100 Days, 100 Nights" (2007).
O que chamou a atenção de Winehouse, Mark Ronson e tantos outros é a sonoridade única da banda e de Jones. "Fazemos soul music como era feita nos anos 60 e 70", diz Jones. "Hoje todo mundo usa equipamentos digitais, eletrônicos. Nós só usamos instrumentos analógicos. No estúdio, ainda gravamos em fita. Os instrumentos são gravados todos juntos, ao vivo. É a diferença."
"Esse tipo de música", ela continua, "apesar de antiga, ainda é importante. Não usamos sintetizadores, softwares, nada disso. E os mais jovens não entendem como conseguimos soar dessa maneira. Vamos continuar fazendo assim. Era como Otis Redding, Etta James, James Brown e todos os outros grandes faziam. Nós somos da velha-guarda."


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