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SHOW/CRÍTICA
Cássia Eller pode pagar caro por ceder ao "Acústico MTV"
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O gênero continua em decomposição, mas o próximo "Acústico MTV" já está gravado. Contrariando a praxe de servir de macaco hidráulico a carreiras em crise,
focaliza desta vez Cássia Eller, que
está longe de poder ser dita artista
em decadência.
Cássia só tem a perder -bem,
não é de dinheiro que se está falando- em se deixar confundir
com tal formato, e a frieza do público arrebanhado para a gravação já é demonstração disso.
Bem, trata-se da cantora mais
equipada em termos de recursos
vocais e cênicos que o Brasil possui hoje, e isso poderia atenuar os
efeitos deletérios do ramerrame
acústico de cordas e percussões.
Mas não foi o que aconteceu na
gravação, semana passada, mesmo que Cássia faiscasse seus atributos em várias passagens. No geral, ela esteve apagada, desconfortável nas convenções do gênero e
na cadeira em que se viu pregada
entre músicos de orquestra, caciques e percussionistas salientes.
OK, no show "Violões" (96), até
hoje um dos pontos altos da carreira da artista, ela já estava sentada e acústica. Mas não havia tanta
maquiagem, nem -sobretudo-
tanta redundância. De lá para cá,
são três discos ao vivo, dois deles
acústicos, e músicas gravadas e
regravadas e re-regravadas.
Não adianta as versões de "Malandragem", "E.C.T." e "Nós" serem espertas, emepebísticas, ricas
em referências de samba, samba-rock, pop baiano, flamenco e/ou
música oriental. Elas atiram Cássia numa fossa de reiteração escura demais. Não é por outra razão
que seu "Acústico" deve valer pelo que traz de ousado e de não-redundante, mesmo que seja uma
releitura frouxa de "Non Je Regrette Rien", de Edith Piaf.
Nesses domínios, Cássia vai deitando e rolando: no samba baiano
machista (mas delicioso) de Riachão ("Vá Morar com o Diabo"),
no rock-balada inédito e melódico do também co-diretor do show
Nando Reis ("Luz dos Olhos"),
até no dueto esganiçado de "Relicário", em que Nando faz o agudo
para Cássia brilhar no grave.
"Queremos Saber", de Gilberto
Gil, vem de brinde. Esquecida, a
canção é de um dos mais importantes álbuns da fase samba-rock
de Erasmo Carlos, "Banda dos
Contentes" (76). Ousadia? Pois é.
O rapper Xis e a seção rítmica da
Nação Zumbi se unem numa
anárquica mistura de hip hop,
mangue beat e sambão rasgado,
Cássia se entregando aos repertórios underground de Xis e da Nação. Um arranjo black contamina
"Top Top" (71), dos Mutantes,
underground no pretérito perfeito. A voz troveja, a presença cênica tenta domar a cadeira. Mas
Cássia nunca fica à vontade. É que
o universo da saudade e da pieguice acústica não são de seu domínio, pelo menos não ainda.
Bem, forte Cássia, a felicidade
antiartística da gravadora Universal, mais dinheiro no bolso e um
ano semiperdido em criatividade
não são preços assim tão baixos
de pagar. Cuidado aí.
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