São Paulo, segunda-feira, 12 de março de 2001

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SHOW/CRÍTICA

Cássia Eller pode pagar caro por ceder ao "Acústico MTV"

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O gênero continua em decomposição, mas o próximo "Acústico MTV" já está gravado. Contrariando a praxe de servir de macaco hidráulico a carreiras em crise, focaliza desta vez Cássia Eller, que está longe de poder ser dita artista em decadência.
Cássia só tem a perder -bem, não é de dinheiro que se está falando- em se deixar confundir com tal formato, e a frieza do público arrebanhado para a gravação já é demonstração disso.
Bem, trata-se da cantora mais equipada em termos de recursos vocais e cênicos que o Brasil possui hoje, e isso poderia atenuar os efeitos deletérios do ramerrame acústico de cordas e percussões.
Mas não foi o que aconteceu na gravação, semana passada, mesmo que Cássia faiscasse seus atributos em várias passagens. No geral, ela esteve apagada, desconfortável nas convenções do gênero e na cadeira em que se viu pregada entre músicos de orquestra, caciques e percussionistas salientes.
OK, no show "Violões" (96), até hoje um dos pontos altos da carreira da artista, ela já estava sentada e acústica. Mas não havia tanta maquiagem, nem -sobretudo- tanta redundância. De lá para cá, são três discos ao vivo, dois deles acústicos, e músicas gravadas e regravadas e re-regravadas.
Não adianta as versões de "Malandragem", "E.C.T." e "Nós" serem espertas, emepebísticas, ricas em referências de samba, samba-rock, pop baiano, flamenco e/ou música oriental. Elas atiram Cássia numa fossa de reiteração escura demais. Não é por outra razão que seu "Acústico" deve valer pelo que traz de ousado e de não-redundante, mesmo que seja uma releitura frouxa de "Non Je Regrette Rien", de Edith Piaf.
Nesses domínios, Cássia vai deitando e rolando: no samba baiano machista (mas delicioso) de Riachão ("Vá Morar com o Diabo"), no rock-balada inédito e melódico do também co-diretor do show Nando Reis ("Luz dos Olhos"), até no dueto esganiçado de "Relicário", em que Nando faz o agudo para Cássia brilhar no grave.
"Queremos Saber", de Gilberto Gil, vem de brinde. Esquecida, a canção é de um dos mais importantes álbuns da fase samba-rock de Erasmo Carlos, "Banda dos Contentes" (76). Ousadia? Pois é.
O rapper Xis e a seção rítmica da Nação Zumbi se unem numa anárquica mistura de hip hop, mangue beat e sambão rasgado, Cássia se entregando aos repertórios underground de Xis e da Nação. Um arranjo black contamina "Top Top" (71), dos Mutantes, underground no pretérito perfeito. A voz troveja, a presença cênica tenta domar a cadeira. Mas Cássia nunca fica à vontade. É que o universo da saudade e da pieguice acústica não são de seu domínio, pelo menos não ainda.
Bem, forte Cássia, a felicidade antiartística da gravadora Universal, mais dinheiro no bolso e um ano semiperdido em criatividade não são preços assim tão baixos de pagar. Cuidado aí.


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