|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NELSON FREIRE/OSM
A divindade morava na Vila Belmiro; agora foi pra sala de concerto
André Sarmento/Folha Imagem
|
O pianista Nelson Freire durante ensaio ao lado de músicos da Orquestra Sinfônica Municipal |
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Início do "Concerto nš 2 para
Piano e Orquestra" de Chopin
(1810-49), anteontem, no Teatro
Municipal: a música seguia rotineiramente seu caminho, sem assombros nem sustos, quando caiu
o meteoro Nelson Freire, uma bola de fogo riscando o céu cinza da
orquestra. Dali para a frente, as
mil e tantas pessoas da platéia não
tiveram mais como fugir à atração
das notas, que se somavam em
frases, que formavam períodos,
que compunham partes segundo
uma lei arcaica e nova da sensibilidade.
Só essa frase inicial do "Concerto", despencando das alturas de
um ré bemol até as profundezas
do fá, já valeria a noite. O melhor
de assistir a um concerto é que
não tem "replay", o que torna a
memória de um lance assim
maior do que qualquer imagem
ou gravação. Falar em lance, aliás,
parece muito apropriado; porque
o último artista brasileiro a atingir
tal consciência de sua arte foi provavelmente Pelé, no começo da
década de 60. Nelson Freire, chegando ele mesmo à sua década de
60 (está com 58 anos), surge e ressurge nos palcos da cidade ungido
por algum deus benevolente, ou
sem paciência com nossa incapacidade de entender as coisas.
A beleza, por exemplo. Pura e
simples beleza dos ornamentos e
arpejos, das escalas rapidíssimas e
paralelismos virtuosísticos, que
Chopin escreve com toda a generosidade da adolescência. Um dos
traços mais marcantes da interpretação de Nelson Freire foi justamente sua habilidade em diferenciar os planos -o que é canção, o que é cenário- nesta música onde se cruzam a geometria
contrapontística de Bach e os arroubos da ópera lírica italiana.
Mas diferenciar mais naturalmente do que nunca, e com enorme prazer no cenário.
Desse ponto de vista, a Orquestra Sinfônica Municipal ficou devendo; acompanhou o pianista, o
que é diferente de tocar Chopin.
Mas mais do que compreensível
para quem já tinha passado, com
bravura, pelo "Don Juan" de Richard Strauss (1864-1949) e ainda
tinha pela frente "A Sagração da
Primavera".
Sobre a OSM: continua bonito
de ver como a orquestra está crescendo. Do ano retrasado para o
passado, a mudança (podemos
ser bem francos a essa altura) foi
de banda para orquestra. Nesta
abertura de temporada, dá gosto
ver que a melhora continua em
todos os naipes, inclusive os cronicamente instáveis. A orquestra
está mais acesa e mais coesa. Tocou Stravinski (1882-1971) com
segurança -até porque o maestro Ira Levin puxou prudentemente o freio na segunda parte.
Nessas circunstâncias, não cabe
fazer reparos, embora qualquer
um possa perceber que falta muito para a OSM chegar a si. Por enquanto, o simples fato de tocar esse repertório justifica as novas
ambições. Nessas circunstâncias,
reclamar seria torcer contra; e
ninguém pode torcer contra
quem está fazendo música.
Nelson Freire:
OSM:
Texto Anterior: Antiamericanismo se faz presente no evento Próximo Texto: Panorâmica - Erudito: Barenboim ganha prêmio na Alemanha Índice
|