São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

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MÔNICA BERGAMO

Ana Ottoni/Folha Imagem
Blusas a partir de R$ 36 (Aramodu)

A semana de moda do bairro, que começa amanhã, mostrará precinhos de 25 de Março e ambições de Oscar Freire

Bom Retiro Fashion Week

Uma TV de cristal líquido emoldurada na parede mostra o último desfile da Chanel em Paris. As clientes estão alvoroçadas: debruçam-se sobre os balcões de vidro para conferir roupas inspiradas em coleções européias. "Queria ver o casaco de veludo verde", pede uma mulher. Preço: R$ 89,90. Elas estão na butique Aramodu, no Bom Retiro.

 

As 1.200 lojas do bairro vivem clima de expectativa. Amanhã começa a segunda semana de moda do pedaço, a Bom Retiro Fashion Business. Os desfiles vão acontecer no meio da rua. Pela passarela passarão 50 modelos vestindo roupas de 25 confecções. O público poderá ver os desfiles das calçadas. O evento custou R$ 250 mil, ou 24 vezes menos do que a badalada SP Fashion Week.
 

O Bom Retiro recebe 80 mil pessoas por dia (em toda a SPFW, são 72 mil). Vai ser o maior público para o qual a modelo Cristiane Cruz, 21, já desfilou. Ela não é de nenhuma agência. "Um amigo me apresentou para o pessoal."
 

Na semana passada, ela passou os dias desfilando dentro da Seiki, a loja que a contratou, zanzando de um lado para o outro para mostrar os looks da coleção para a clientela. Cristiane, que quer ser atriz e freqüenta a oficina de atores do diretor Wolf Maia, ganhou R$ 100 por dia na loja, mesmo valor que vai receber em cada dia de desfile.
 

Quem cria os modelitos da Seiki é Cristina Han, dona da loja. Ela viaja à Europa e aos EUA três vezes por ano. Trabalha com uma equipe de 15 modelistas. "Temos duas inspirações: a Europa e a novela das oito. Se a Cláudia Abreu aparece na novela com um vestido, nós somos quem pode trazer mais rápido para o comércio", diz. Os modelos de vestido de viscolycra que a atriz usa nas novelas já lotam as lojas do Bom Retiro. "Já deixei de ganhar dinheiro por não ter visto a novela no dia anterior", conta Cristina. O corselet de cetim de lycra da Seiki sai por R$ 39 no atacado. No varejo da marca, que fica na rua José Paulino, ao lado, sai por R$ 80.
 

Exclusividade não está em questão no Bom Retiro. Um modelo de roupa pode ser reproduzido até 600 vezes. Cerca de 100 mil peças entram e saem das lojas todos os meses.
 

"A gente não está aqui para criar. Fazemos só releitura e tradução da moda da Europa para um público que procura preços acessíveis", diz Mira Lee, dona da grife Aramodu. Arquiteta pela USP, ela trabalha com moda há 15 anos, desde quando os pais tinham loja no Brás. "Não entendia nada, mas comecei a comprar revistas e a ler editoriais de moda." Mira Lee vai para a Europa até quatro vezes por ano para visitar lojas de varejo. "Os designers e estilistas daqui se baseiam em temas regionais, em coisas do Brasil. O público do Bom Retiro quer ver moda de Milão, Paris, Londres."
 

Além do público paulistano, cerca de 30 ônibus de outras cidades estacionam todos os dias nas ruas do bairro trazendo lojistas para comprar nas 1.200 lojas da região. Hoje, se o preço da roupa é de 25 de Março, o preço do imóvel já ganha da Oscar Freire: o metro quadrado para imóveis comerciais no Bom Retiro é de mais de R$ 10 mil, contra R$ 7 mil da rua dos Jardins.
 

A marca Mad Soul, uma espécie de Cavalera do Bom Retiro, só tem dois anos, mas a fábrica é das mais antigas do bairro: 45 anos. A moda ali é mais moderna - e cara. Uma camiseta da Mad Soul sai por R$ 59,90 no atacado e R$ 131,00 no varejo, mesmo preço de algumas T-shirts de Herchcovitch.
 

Quase 300 funcionários trabalham nos setores de corte, estamparia e malharia, e também produzem peças para grifes famosas e lojas de departamento.
 

Quem é o estilista? Um grupo de 15 pessoas, gerenciadas por Liliane Caramelo Guedes. "Aqui não temos a figura do estilista. Temos um grupo grande criando estampas e modelos." Liliane é quem viaja para conhecer as tendências e buscar inspiração para as criações. "Pra gente não adianta ter estilista que inventa, mas que não sabe o que é viável", interfere um dos proprietários da empresa, Cláudio Cassius, 36 anos.
 

As confecções do Bom Retiro colocam suas produções também em lojas de shoppings e da Oscar Freire. "Compram nossos terninhos e só trocam a etiqueta", diz Cristina Han, da Seiki. O nome das lojas que fazem o truque é um segredo de túmulo.
 

"E não é só a etiqueta que eles mudam: tentam roubar o vitrinista também!", interrompe Cleiton Escrimin, 24 anos, que se intitula "vitrinista oficial" do Bom Retiro. "Na última semana de moda daqui, a Eliana Tranchesi [da Daslu] viu minhas vitrines e deixou o telefone pra eu ligar. Mas acredita que ela queria me pagar só R$ 500 pra eu fazer troca de roupa em 36 manequins? Eu não ia me desvalorizar desse jeito, né?", diz.
 

No Bom Retiro, Escrimin faz de duas a três vitrines por dia. Cobra entre R$ 1.500 e R$ 2.500. "Escolho as lojas de mais nome. Posso escolher, sabe? Eles confiam em mim. Se peço para "destruir" a loja para fazer uma vitrine, eles deixam."
 

Escrimin se considera responsável por uma certa "transformação arquitetônica" do Bom Retiro. "Gosto de vitrine com pé direito de seis a oito metros para dar um clima europeu à loja", explica. "Você percebeu que a maioria das lojas mais legais do Bom Retiro já estão assim?"

@ - bergamo@folhasp.com.br, COM DANIEL BERGAMASCO E AUDREY FURLANETO

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