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NELSON ASCHER
A política do aquecimento global
A visão de mundo da
militância ecológica é
regressiva, mística,
medieval, paleolítica
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TODOS OS anos uma quantidade
de neve se deposita em lugares perpetuamente congelados como a Groenlândia. A neve se
endurece e se transforma numa nova camada de gelo sobre a qual, entra
ano, sai ano, outras semelhantes se
sobrepõem. Com sondas, como as
utilizadas na prospecção do petróleo, mas especialmente adaptadas,
cientistas conseguiram retirar cilindros contínuos de gelo, com quilômetros de comprimento. Analisando a espessura de cada camada
anualmente depositada, sua textura
e composição, eles deduziram como
era o clima do planeta seja há algumas centenas de anos, seja há muitos milhares.
O gelo não é o único fenômeno periódico que, desde que adequadamente observado e esmiuçado, revela detalhes importantes do passado
terrestre. O mesmo se aplica a árvores milenares ou às sucessivas camadas de material orgânico que vão
se depositando no fundo dos oceanos. Mais importante, porém, do
que esses fenômenos é a combinação de todos, que permite calibrar
com precisão as conclusões derivadas do exame de cada qual. Soma-se,
ademais, à engenhosidade a experiência que possibilita a correção de
erros anteriores.
Numa profundidade temporal de
centenas de milhares ou de milhões
de anos, as oscilações climáticas da
Terra não são mais um mistério e é
graças ao quadro que já temos delas
que muitas das informações obtidas
pela paleontologia, arqueologia e,
cada vez mais, pelo estudo genético
comparativo dos grupos humanos
adquirem sentido, pois se torna possível situar tal ou qual fase da evolução da espécie num meio ambiente
previamente deduzido. É difícil,
portanto, para alguém que vê nisso
tudo respostas brilhantes a perguntas que pairavam no ar, pôr em dúvida as projeções futuras dos climatologistas.
Afinal, a ciência envolvida é complexíssima não apenas para os leigos
interessados, mas inclusive para os
peritos de outras áreas. E, ainda assim, convém aos leigos colocar perguntas mais informadas e também
interferir mais no processo decisório que vem depois da ciência. Por
quê? Porque a questão do aquecimento global em seu conjunto e nas
suas conseqüências transcende a
ciência. Ela é política nos seus menores detalhes.
Digamos que o ritmo do aquecimento seja um fato inconteste e,
mais, que sua principal razão seja o
uso de combustíveis fósseis pelo ser
humano. Digamos que a ciência e os
modelos utilizados sejam muito melhores do que aqueles que, poucas
décadas atrás, prometiam-nos uma
nova glaciação ou a exaustão dos recursos naturais. Mesmo assim, a
resposta à pergunta "o que fazer
agora?" não pertence somente aos
cientistas nem pode ser delegada a
organizações internacionais ou
transnacionais, como a ONU, que
não contam com nenhuma medida
de legitimidade democrática. Entregar-lhes a solução de qualquer problema rende em geral dois resultados paralelos, ambos negativos, a saber, a perpetuação do problema posto e a criação de um novo, que é o
fortalecimento dessas instituições
em detrimento das raras ainda democráticas que existem no âmbito
de uma minoria de países.
Não é deste modo, contudo, que as
inúmeras ONGs (muitas direta ou
indiretamente subsidiadas por verbas de tais ou quais governos) e toda
a militância verde e ecológica pensam esse assunto. Elas parecem entrever nele uma espécie de oportunidade de ouro não para resolver dilemas concretos, mas para impor-nos sua visão de mundo. Não é mistério que essa é regressiva, mística,
medieval, quando não paleolítica,
que ela odeia a tecnologia e a ciência
(salvo os ramos que confirmem suas
profecias) e, sobretudo, acha nossa
civilização e modo de vida absolutamente pecaminosos. A ira sagrada
que move tais militantes têm menos
a ver com o bem-estar geral do
maior número de pessoas do que
com o fogo do inferno que deveria
abrasar uma civilização que lhes
contradiz diariamente os dogmas,
uma civilização que garante mais vida a mais gente devido ao uso inteligente de outras fontes de energia
além das tradicionais, isto é, a musculatura animal e humana.
Vale a pena acrescentar que o militante médio sabe tão pouco da
ciência necessária quanto nós, os
leigos em geral. Se não temos como
julgar diretamente a qualidade da
ciência e do aparente consenso que,
por enquanto, garantem-nos que há
um aquecimento global ocasionado
por nossa espécie, podemos, como
aliás fazem os cientistas para descobrir o clima de épocas e lugares onde
não estavam, tentar deduzir indiretamente que intenções acompanham cada solução proposta, e não
só podemos como precisamos avaliar politicamente seu impacto sobre nosso modo de vida.
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