|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.
livros
CRÍTICA ROMANCE
Obras de Schnitzler retratam desencantos da burguesia
Melancolia dá o tom em dois romances do autor relançados pela Record
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Endurecer-se: estava nisso, provavelmente, o maior
imperativo moral a ser seguido por qualquer jovem de
classe alta, pelo menos até
começos do século 20.
Não era apenas a necessidade de formar o "caráter" (e
esse termo ainda hoje tem conotações de severidade e rigidez). Tratava-se também de
uma questão de sobrevivência pessoal.
O rapaz que se tornaria, na
vida adulta, oficial de Exército ou capitão de indústria
não poderia se dar ao luxo de
grandes sentimentos.
Sabe-se o preço que esse tipo de formação cobraria, em
termos de felicidade e equilíbrio psicológico, sobre os homens da burguesia e da nobreza europeia, e especialmente sobre suas mulheres,
amantes e filhos.
A Viena de fins do século
19 e começos do século 20 parece ter sido um dos lugares
em que o molde explodiu
com violência.
O mundo da disciplina e
do autocontrole não era mais
compatível com a inquietação cultural, os prazeres
crescentes da vida urbana e o
ingresso das mulheres no
mercado do trabalho, que faziam da capital do Império
Austro-Húngaro um dos centros mundiais da "doçura de
viver".
Ao lado das confeitarias,
operetas e mocinhas suburbanas prestativas, Viena era
também a capital dos suicídios, das vocações frustradas, das doenças venéreas e
mentais.
MORTE E SUICÍDIO
Era a cidade de Freud, e
também a do médico e escritor Arthur Schnitzler (1862-1931), cujas principais obras
vão sendo publicadas no
Brasil pela editora Record.
Depois de "Crônica de
uma Vida de Mulher", saem
agora "O Médico das Termas" e "O Caminho para a Liberdade", sempre com tradução, posfácio e notas de Marcelo Backes. Outros quatro
volumes vêm aí.
"O Médico das Termas" é
uma trama curta, que se lê
com a respiração suspensa.
Num estilo estranhamente
sossegado, como se os olhos
do escritor estivessem em repouso, acumulam-se presságios de doença, morte e suicídio sobre as duas ou três mulheres, bonitas mas fragilizadas, que cruzam seu caminho com o dr. Gräsler, solteirão de meia-idade e de poucas ambições.
Com quem se casar? Que
mulher, afinal, de fato "vale
a pena"? Como preservar-se
de uma grande paixão? De
quanta anestesia, e de quanto sofrimento, se necessita
para levar adiante uma carreira de sucesso?
EXTENSO DEMAIS
As dúvidas do médico reaparecem, de forma mais extensa, na mente do jovem barão e compositor Georg von
Wergenthin em "O Caminho
para a Liberdade".
Extensa demais, talvez. As
500 e tantas páginas desse
ambicioso romance, em que
se reconhecem algumas figuras reais da Viena de Schnitzler (a começar do próprio
autor, notável dom Juan às
voltas com os próprios escrúpulos), expandem-se, de forma um tanto datada, em discussões estéticas e trocas de
aforismos espirituosos.
Textos mais curtos, como
"O Médico das Termas" e o
"Breve Romance de Sonho"
(Companhia das Letras), que
deu origem ao filme "De
Olhos Bem Abertos" (1999),
de Stanley Kubrick, são a melhor porta de entrada para o
universo de Schnitzler.
Para conhecê-lo bem, e inteirar-se das relações entre
nobreza, burguesia, sionismo, antissemitismo, socialismo, vocação artística e casamento na "belle époque"
austríaca, "O Caminho para a
Liberdade" é uma obra importante, mas cujo poder
emocional e estético só se
manifesta plenamente (e como!) nos capítulos finais.
O CAMINHO PARA A
LIBERDADE
AUTOR Arthur Schnitzler
EDITORA Record
TRADUÇÃO Marcelo Backes
QUANTO R$ 59,90 (544 págs.)
AVALIAÇÃO bom
O MÉDICO DAS TERMAS
QUANTO R$ 33,90 (192 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
Texto Anterior: FOLHA.com Próximo Texto: Crítica/Romance: Exatidão da narrativa em "Minuto de Silêncio" expõe o laconismo da tragédia Índice | Comunicar Erros
|