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LIVROS/LANÇAMENTOS
"O MENINO PERDIDO"
Autor americano do início do século 20 ganha edição
Thomas Wolfe se revela em contos quase autobiográficos
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Não, não se trata de Tom
Wolfe, escritor americano
homônimo, que se celebrizou
com "Os Eleitos" e "A Fogueira
das Vaidades". O Thomas Wolfe
de "O Menino Perdido" (obra
póstuma) publicou três peças,
dois romances e um volume de
contos entre as décadas de 20 e 30.
Morreu em 1938. Tinha 38 anos.
O primeiro dos Wolfes, cronologicamente falando, é comparado a Scott Fitzgerald e William
Faulkner. Especializou-se num tipo de relato semi-autobiográfico
construído em torno do alter ego
Eugene Gant ou de membros de
sua família. É o caso de quase todas as narrativas de "O Menino
Perdido", cuja história-título
constitui a peça de resistência.
Conta-se nela (por meio de alguns pontos de vista) a curta vida
do irmão mais velho de Eugene,
Grover, morto aos 12 anos. A primeira perspectiva é a do próprio
menino, que tem uma desavença
com o dono de uma loja de doces;
a segunda é a da mãe; a terceira,
da irmã; e a última, de Eugene.
Somos aos poucos informados
dos fatos e também da real dimensão da tragédia que se abate
sobre a família. Para a mãe, Grover é o mais "brilhante" dos filhos.
Com a entrada do ponto de vista
de Eugene, que retorna, 30 anos
depois, para a cidade onde o irmão morrera, o relato atinge sua
nota mais pungente.
Diz o narrador: "Eugene sabia
que o olho escuro e o rosto quieto
de seu amigo e irmão -pobre
criança, um estranho na vida, um
exilado na vida, perdido como todos nós, uma cifra num labirinto
sem saída, há tanto tempo -, o
menino perdido, tinham partido
para sempre, e não voltariam".
Embora os outros contos não
causem o mesmo impacto, também costumam ser organizados
com base na oposição entre o passado nostálgico, perdido "para
sempre", mas capaz de ser momentaneamente recuperado pela
memória, e o presente perverso,
em que não cabem esperanças.
"Sem Cura" trata de outro episódio da infância de Eugene. "Parente de Sangue" é o retrato de
um primo rebelde do narrador,
visto em dois momentos separados por um ano. Em "A Batalha
de Chickamauga", acompanhamos a guerra civil norte-americana por meio da experiência de um
antepassado de Eugene.
Em "O Retorno do Pródigo", o
escritor volta à sua terra natal
após sete anos. Seu primeiro romance, que descreve pessoas do
vilarejo, causara revolta. Enquanto especula como será a acolhida
local, ele presencia um assassinato. O passado, visto "pelos olhos
da ausência", torna-se bonito, ao
passo que o presente é encarado
com aspereza.
O único relato em que não se insinua o personagem do escritor é
"O Leão da Manhã", no qual um
milionário mal-humorado lida
com os fatos amargos de sua existência comezinha. O banqueiro,
que crê viver num "frio mausoléu
de convidados mortos", pergunta-se onde foram parar "toda a fé,
a esperança, a crença límpida de
cinquenta anos atrás".
A nota pessimista é retomada
em "A Solitária Criatura de
Deus", texto mais de ensaio que
de ficção. Nele, o escritor sugere
que o "êxtase amargo da fugacidade das coisas" é a matéria-prima de sua arte, e professa a crença
de que "a essência da tragédia humana está na solidão". Nem tudo
é bom em "O Menino Perdido",
mas o que é bom é muito bom.
O Menino Perdido
Autor: Thomas Wolfe
Tradutora: Marilene Felinto
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 25 (184 págs.)
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