UOL


São Paulo, sábado, 12 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS/LANÇAMENTOS

"O MENINO PERDIDO"

Autor americano do início do século 20 ganha edição

Thomas Wolfe se revela em contos quase autobiográficos

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Não, não se trata de Tom Wolfe, escritor americano homônimo, que se celebrizou com "Os Eleitos" e "A Fogueira das Vaidades". O Thomas Wolfe de "O Menino Perdido" (obra póstuma) publicou três peças, dois romances e um volume de contos entre as décadas de 20 e 30. Morreu em 1938. Tinha 38 anos.
O primeiro dos Wolfes, cronologicamente falando, é comparado a Scott Fitzgerald e William Faulkner. Especializou-se num tipo de relato semi-autobiográfico construído em torno do alter ego Eugene Gant ou de membros de sua família. É o caso de quase todas as narrativas de "O Menino Perdido", cuja história-título constitui a peça de resistência.
Conta-se nela (por meio de alguns pontos de vista) a curta vida do irmão mais velho de Eugene, Grover, morto aos 12 anos. A primeira perspectiva é a do próprio menino, que tem uma desavença com o dono de uma loja de doces; a segunda é a da mãe; a terceira, da irmã; e a última, de Eugene.
Somos aos poucos informados dos fatos e também da real dimensão da tragédia que se abate sobre a família. Para a mãe, Grover é o mais "brilhante" dos filhos. Com a entrada do ponto de vista de Eugene, que retorna, 30 anos depois, para a cidade onde o irmão morrera, o relato atinge sua nota mais pungente.
Diz o narrador: "Eugene sabia que o olho escuro e o rosto quieto de seu amigo e irmão -pobre criança, um estranho na vida, um exilado na vida, perdido como todos nós, uma cifra num labirinto sem saída, há tanto tempo -, o menino perdido, tinham partido para sempre, e não voltariam".
Embora os outros contos não causem o mesmo impacto, também costumam ser organizados com base na oposição entre o passado nostálgico, perdido "para sempre", mas capaz de ser momentaneamente recuperado pela memória, e o presente perverso, em que não cabem esperanças.
"Sem Cura" trata de outro episódio da infância de Eugene. "Parente de Sangue" é o retrato de um primo rebelde do narrador, visto em dois momentos separados por um ano. Em "A Batalha de Chickamauga", acompanhamos a guerra civil norte-americana por meio da experiência de um antepassado de Eugene.
Em "O Retorno do Pródigo", o escritor volta à sua terra natal após sete anos. Seu primeiro romance, que descreve pessoas do vilarejo, causara revolta. Enquanto especula como será a acolhida local, ele presencia um assassinato. O passado, visto "pelos olhos da ausência", torna-se bonito, ao passo que o presente é encarado com aspereza.
O único relato em que não se insinua o personagem do escritor é "O Leão da Manhã", no qual um milionário mal-humorado lida com os fatos amargos de sua existência comezinha. O banqueiro, que crê viver num "frio mausoléu de convidados mortos", pergunta-se onde foram parar "toda a fé, a esperança, a crença límpida de cinquenta anos atrás".
A nota pessimista é retomada em "A Solitária Criatura de Deus", texto mais de ensaio que de ficção. Nele, o escritor sugere que o "êxtase amargo da fugacidade das coisas" é a matéria-prima de sua arte, e professa a crença de que "a essência da tragédia humana está na solidão". Nem tudo é bom em "O Menino Perdido", mas o que é bom é muito bom.


O Menino Perdido
   
Autor: Thomas Wolfe Tradutora: Marilene Felinto Editora: Iluminuras Quanto: R$ 25 (184 págs.)



Texto Anterior: Foucault em 90 minutos: Biografia vê filósofo sem moralismos
Próximo Texto: Livros/lançamentos - 'Revisão crítica...'/'Um olhar...': Glauber Rocha escreve epopéia do cinema brasileiro
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.