São Paulo, quarta-feira, 12 de abril de 2006

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Para o crítico Paulo Sergio Duarte, artistas construtivistas sofisticaram modernidade brasileira

Anos 50 produziram um "Machado coletivo" nas artes

Luciana Whitaker/Folha Imagem
O crítico Paulo Sergio Duarte, que critica o estado de "indigência" das instituições culturais


MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA

Não tivemos um Machado de Assis nas artes plásticas brasileiras, mas no opinião de um dos mais prestigiados críticos de arte do país, Paulo Sergio Duarte, paraibano radicado no Rio de Janeiro, os artistas que participaram do construtivismo brasileiro na década de 50 podem ser considerados uma espécie de "Machado coletivo". "É um Machado constituído de diversos sujeitos empíricos, que cumpriu, de certo modo, o papel do escritor no final do século 19 e início do 20", diz ele.
Para Duarte, "a partir do programa construtivo, nossa modernidade adquire um patamar de sofisticação até então desconhecido". Professor-pesquisador do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Candido Mendes, no Rio, ex-diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas da Funarte, ex-membro do Conselho de Arte e Cultura da Bienal da São Paulo, Duarte escreveu sobre alguns dos principais expoentes da arte brasileira. Entre seus livros mais recentes (e não-esgotados) estão "Waltercio Caldas" (Cosacnaify, 2001); "Carlos Vergara" (Santander Cultural, 2003) e "A Trilha da Trama" (Funarte, 2004).
Curador da 5ª Bienal do Mercosul, no ano passado, em Porto Alegre, ele diz nesta entrevista que a precariedade institucional do Brasil favorece a promiscuidade entre público e privado (no caso da arte, entre curadores e mercado) e considera que vivemos um estado de "indigência" no que diz respeito às políticas de Estado.
 

Folha - A arte contemporânea brasileira tem conquistado prestígio no circuito internacional. Tratando-se de um país jovem, colonizado por um Portugal de rarefeita expressão nas artes plásticas, como o Brasil veio atingir esse patamar de sofisticação e qualidade?
Paulo Sergio Duarte -
É todo um processo histórico no qual um rei português, consciente das limitações da arte portuguesa fora das ordens religiosas, importou uma missão francesa para nos introduzir no universo estético da França pós-revolucionária. Depois vieram outras contribuições até formar o arquipélago modernista da primeira metade do século 20.
Mas o continente, o território contínuo e mais denso, aquilo que de um modo um pouco herético, eu chamo de nosso "Machado visual", se forma mesmo a partir dos anos 50 com o advento dos projetos construtivistas em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Não tivemos nas artes visuais uma obra individual da estatura da de Machado na literatura, mas tivemos um Machado coletivo, constituído de diversos sujeitos empíricos, no início dos anos 50, que cumpriu, de certo modo, o papel da obra de Machado no final do século 19 e início do 20.
A partir do programa construtivo, nossa modernidade adquire um patamar de sofisticação até então desconhecido. Mas acredito que com o endurecimento da ditadura militar, nos anos 70, nossos melhores artistas passaram a olhar mais para o mundo de fora e estabeleceram contatos sistemáticos e permanentes com artistas, críticos e instituições. Essa interação com a produção contemporânea internacional ajudou muito a encontrarmos um patamar de qualidade muito elevado a partir de uma inteligente interação com questões locais.

Folha - De que forma essa interação se traduziu na produção artística brasileira?
Duarte -
Para entender essas conquistas é preciso não confundir questões locais exclusivamente com temas e conteúdos locais. Falo sobretudo de maneiras de pensar e de proceder diferentes tanto da tradição européia quanto da norte-americana.
O importante é não confundir essas questões com o problema da identidade nacional e outras bugigangas ideológicas que não têm nada a ver com o modo como um pobre favelado carioca se vira para sobreviver ou um sertanejo resiste aos ciclos eternos de seca enquanto as elites se locupletam aos custos de sua miséria.
Os inteligentes artistas incorporaram elementos locais nesse sentido de maneiras de pensar e proceder e, quanto a isso, a obra de Hélio Oiticica, morto precocemente em 1980, continua a ser um dos exemplos maiores, com sua lúcida sentença: "Da adversidade vivemos".

Folha - O curador pode exercer sua função de maneira crítica, intervindo com suas escolhas no debate da arte. Mas pode também ser uma peça numa engrenagem maior, ligada ao mercado. Como você vê a inserção do curador no atual universo da arte?
Duarte -
Não tenho nenhuma dúvida de que boa parte dos trabalhos de curadoria são agenciados em íntima e inteligente articulação com o mercado, porque, para muitos curadores, especialmente mais jovens, o mercado é um fato consumado a partir do qual pensam e articulam suas estratégias curatoriais.
Boa parte dos valores estéticos contemporâneos se confundem com os valores do mercado, por isso artistas de elevada qualidade podem estar longe das instituições, das mostras e das coleções, pois não são reconhecidos pelo mercado ou por esses curadores.


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