São Paulo, sábado, 12 de abril de 2008

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Contardo redescobre Itália em ficção

No romance "O Conto do Amor", psicanalista e colunista da Folha apresenta histórias misteriosas na região da Toscana

Livro foi inspirado nos diários deixados por seu pai, escritos entre 1933 e 1994, e que hoje estão na biblioteca do seu consultório em SP

Contardo Calligaris/Divulgação
Detalhe de afresco do pintor Sodoma, em convento na Toscana, em foto do próprio Contardo

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma queixa sempre acompanhou as despedidas do psicanalista Contardo Calligaris, 59, colunista da Folha, de seu pai, Giuseppe, morto em 1995: "Pena, não tivemos tempo para falar", repetia o pai. Em sua primeira investida na ficção em livro, o romance "O Conto do Amor", o escritor reencontra seu pai e dedica todo o primeiro capítulo a uma passagem de suas biografias, um raro encontro em que Giuseppe, avesso a falar de si, falou. Um enigma.
Perto de morrer, Giuseppe -ou Pino Antonini, seu "duplo" no romance- faz ao filho Carlo -alter ego do autor- uma revelação com tintas místicas, que não encontravam paralelo no histórico agnóstico daquele homem, um médico. Numa visita a um convento no Monte Oliveto Maggiore, na Toscana, na sua juventude, o pai teria intuído que fora, numa outra vida, ajudante dos pintores Luca Signorelli e Giovanni Antonio Bazzi, o Sodoma, autores dos afrescos que narram a vida de são Bento nas paredes do claustro.
Contardo suspeitava que havia alguma pista nos diários deixados pelo pai, escritos entre 1933 e 1994, e que hoje ocupam parte da biblioteca de seu consultório. O escritor, no entanto, levou mais de dez anos para voltar ao assunto. E na forma de uma ficção.
"O romance foi escrito a partir da questão "o que eu queria fazer com os diários do meu pai?" E certamente foi uma maneira de passar um tempo com ele na minha cabeça, de revê-lo", conta Contardo, que entre 2006 e 2007 fez viagens à região da Toscana, para reconhecer o que chama de as "locações" de seu livro e fotografar os afrescos de Sodoma, alguns deles incluídos na edição.
A viagem foi uma redescoberta da Itália, seu país natal, adotado como lar de fato em períodos relativamente curtos de sua vida. Aos 14 anos, Contardo fugiu de casa, em Milão, passando um ano e meio em Londres, sem dar notícias.
"Fiz a minha vida completamente fora de lá, por duas razões. Uma razão profunda é a dificuldade de ser filho de uma pessoa perseguida por uma ditadura. A dificuldade de se identificar com um país que quis ferrenhamente matar o meu pai", diz Contardo. "A outra, foi o tempo de luto, porque meus pais morreram num período curto, de seis meses."
Do segundo capítulo em diante, salvo referências à biografia de Giuseppe, como sua militância antifascista e sua paixão pela arte da Renascença italiana, Contardo encontrou na imaginação, numa história de amor, a solução para o enigma deixado pelo pai.
"Não estou muito mais avançado do que o protagonista. Nem cheguei a uma conclusão que repute como completamente nova. Mas talvez à conclusão de que a vida dele tenha sido, no melhor sentido da palavra, uma aventura. E com o livro, acho que amadureci minha vontade de escrever ficção, sobretudo. Porque, quanto à investigação do enigma propriamente dita, não esperava que iria descobrir muita coisa."

50 anos de ficção
Contardo diz que sempre quis escrever ficção, desde o primeiro conto, "O Homem do Pacífico", escrito aos 9 anos, até um romance que flerta com a literatura beatnik, feito aos 18, ambos nunca publicados.
O autor até já prepara outro romance. O protagonista deve ser o mesmo de "O Conto do Amor". E o ponto de partida, novamente autobiográfico, numa história de amor vivida em Paris, nos anos 70.
"Todos esses 50 anos de produção escrita, de ensaios à crítica literária e de artes, de textos sobre psicanálise à crônica semanal, posso considerar tudo um longo desvio. E, ao mesmo tempo, um aprendizado."


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