São Paulo, sábado, 12 de abril de 2008

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Confúcio vira auto-ajuda e torna autora best-seller

Yu Dan vendeu quase 5 milhões de livros ao adaptar pensamentos do filósofo chinês

"Prefiro usar uma linguagem simples para derrubar o preconceito de quem acha que os valores tradicionais são inatingíveis", diz pedagoga

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

Estresse? Problemas no emprego? Crise na família? Buscando o seu "eu interior"? Ao transformar pensamentos do filósofo chinês Confúcio em auto-ajuda, uma professora chinesa se tornou o maior best-seller do país no último ano.
Ph.D em estudos da mídia, a pedagoga Yu Dan, 43, vendeu quase 5 milhões de exemplares do livro "Reflexões de Yu Dan sobre os Diálogos de Confúcio" (não publicado no Brasil), o triplo do último Harry Potter no país. Sem contar 6 milhões de cópias piratas -na capa, um retrato da autora, eleita uma das 50 mulheres mais belas do país por uma revista de celebridades. Segundo a "Forbes", ela foi a escritora que mais faturou na China em 2007: US$ 1,5 milhão (cerca de R$ 2,5 milhões) com direitos autorais e palestras.
O sucesso de Yu mostra a virada do pensador e guia espiritual da China. Confúcio (551 a 479 a.C) caiu em desgraça durante a "revolução cultural" empreendida pelo líder comunista Mao Tse-tung a partir de 1966. Templos confucianos foram demolidos, e seus livros, queimados.
Mas, enquanto pouco sobra do comunismo na hipercapitalista China, os ensinamentos confucianos estão bombando. A agenda de Yu está cheia até o ano que vem com palestras para CEOs, executivos, donas-de-casa, universitários, além de várias participações na TV. Até sisudos líderes comunistas adoram a sorridente professora.
"Nos anos 60 e 70, você não escolhia onde trabalhar, onde estudar, todos éramos pobres em uma economia planejada, em que educação e saúde eram responsabilidade do governo. Hoje há mais liberdade, mas na economia de mercado há competição, ansiedade. Os chineses querem redescobrir valores que foram tão desprezados", diz Yu à Folha, no condomínio em que mora, em Pequim.
"As pessoas podem simplesmente escolher seu estilo de vida. Confúcio enfatiza a ética e a moralidade, enquanto o taoísmo prioriza a natureza, o universo, a transcendência. Confúcio é a Terra, Tao é o céu."

Estrela na TV
O sucesso de Yu começou na televisão. No final de 2006, ela foi convidada por um programa da emissora estatal CCTV, o "Sala de Conferências", para falar sobre Confúcio. A audiência foi tão grande que ela foi convidada a dar outras seis aulas. Seu livro saiu pouco depois, direto para a lista de best-sellers.
"Achavam que, para entender Confúcio, precisava ser um intelectual de longa barba e óculos. Mas prefiro usar jeans e uma linguagem simples para derrubar o preconceito de quem acha que os ensinamentos tradicionais são inatingíveis. Eles ensinam a ter uma vida feliz no mundo moderno".
Muitos executivos e empresários pedem palestras a Yu. "Na China antiga, agricultores eram valorizados, e empresários eram chamados de mentirosos. Gerentes bem-sucedidos querem aprender a ser respeitados e a reforçar valores éticos ou até a ter bom coração."
Além das idéias confucianas garimpadas por Yu Dan, ela acrescenta referências a taoísmo, budismo, Hegel -intelectuais a criticam, mas o público adora. "Pessoas benévolas não têm preocupações, as sábias não têm ansiedade, as corajosas não têm medo", ela diz.

Hierarquia e democracia
Muitos críticos culpam Confúcio pela rigidez hierárquica da sociedade chinesa nos últimos 25 séculos. Em parte, quem diria, Yu Dan concorda.
"Confúcio viveu há 2.259 anos, só pequena parte de sua teoria pode ser útil na sociedade moderna. Ele dizia que devíamos obedecer e seguir regras de superiores para manter uma ordem social, mas o mundo mudou." Ela diz ainda que a família rígida e o papel inferior da mulher "não valem mais".
Em poucos meses, Yu vai apresentar novas "aulas" na CCTV e lançar um novo livro, "Impressões sobre Confúcio". As primeiras traduções em inglês e francês saem em agosto.
Ela avalia que a cultura chinesa e a ocidental são complementares, que Confúcio e o taoísmo podem ser úteis ao Ocidente. A China, diz, viveu 2.000 anos de feudalismo e centralização, enquanto o Ocidente viveu monarquias. Questionada sobre que valores ocidentais admira, não titubeia. "A China deveria aprender a democracia, a importância da ciência e da individualidade."
Ela esteve no Brasil em 2007, quando deu palestra à comunidade chinesa em São Paulo e conheceu as Cataratas do Iguaçu. Mas ainda não leu Paulo Coelho. "Preciso conhecer."


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