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DRAUZIO VARELLA
A preguiça humana
Se você é daqueles que esperam a visita da disposição física para fazer exercícios, desista
MAL DESEMBARQUEI no aeroporto Santos Dumont, dei
de cara com uma jibóia
contorcida que avançava em passo
de procissão. Era uma fila longa e
grossa constituída por mulheres
com trajes formais e homens de terno escuro, ejetados pelos aviões que
aterrissavam no primeiro horário
da manhã.
Usuário contumaz da ponte aérea
que liga São Paulo ao Rio, jamais havia me deparado com aquela aglomeração ordeira.
Assim que a jibóia fez a curva, saí
de lado para enxergar a origem do
congestionamento. Não pude acreditar: a fila desembocava na boca da
escada rolante. Ao lado dela, a escada comum, deserta como o Saara.
Imaginei que houvesse alguma razão para tanta espera, quem sabe a
escada mecânica estivesse obstruída; mas, como não percebi nenhum
obstáculo, caminhei em direção a
ela. Não fosse a companhia de um
rapaz de mochila nas costas, dois degraus à minha frente, eu teria descido no desamparo.
Se ainda fosse para subir a escada
rolante, o esforço maior e a transpiração àquela hora da manhã talvez
justificassem a falta de iniciativa. Os
enfileirados, no entanto, berrando
em seus celulares, em pleno vigor da
atividade profissional, recusavam-se a movimentar as pernas mesmo
para descer.
Se perguntássemos para aquele
povo se a vida sedentária faz bem à
saúde, todos responderiam que não.
Pessoas instruídas estão cansadas
de ler a respeito dos benefícios que a
atividade física traz para o corpo humano: melhora as condições cardiorrespiratórias, reduz o risco de
doenças cardiovasculares, reumatismo, diabetes, hipertensão arterial, câncer, degenerações neurológicas etc.
Por que, então, preferem aguardar
pacientemente a descer um lance de
degraus às custas das próprias
pernas?
Por uma razão simples: o exercício físico vai contra a natureza humana. Que outra explicação existiria
para o fato de o sedentarismo ser
praticamente universal entre os que
conseguem ganhar a vida no conforto das cadeiras?
A preguiça para movimentar o esqueleto não é privilégio de nossa espécie: nenhum animal adulto gasta
energia à toa. No zoológico, leitor,
você jamais encontrará uma onça
dando um pique aeróbico, um gorila
levantando peso, uma girafa galopando para melhorar a forma física.
A escassez milenar de alimentos na
natureza fez com que os animais
adotassem a estratégia de reduzir o
desperdício energético ao mínimo.
A necessidade de poupar energia
moldou o metabolismo de nossa espécie de maneira tal que toda caloria
ingerida em excesso será armazenada sob a forma de gordura, defesa do
organismo para enfrentar as agruras
dos dias de jejuns prolongados que
porventura possam ocorrer.
Por causa dessas limitações biológicas, se você é daquelas pessoas que
esperam a visita da disposição física
para começar a fazer exercícios com
regularidade, desista. Ela jamais virá. Disposição para sair da cama todos os dias, calçar o tênis e andar até
o suor escorrer pelo rosto nenhum
mortal tem.
Encare a atividade física com disciplina militar ou esqueça-se dela.
Na base do "quando der, eu faço",
nunca dará.
Falo por experiência própria. Sou
corredor de distâncias longas há
muitos anos. Às seis da manhã, chego no parque, abro a porta do carro e
saio correndo. Não faço alongamento antes, como deveria, porque, se ficar parado, esticando os músculos,
volto para a cama. Durante todo o
percurso do primeiro quilômetro,
meu cérebro é refém de um pensamento recorrente: não há o que justifique um homem passar por esse
suplício.
Daí em diante, as endorfinas liberadas na corrente sangüínea tornam
o sofrimento mais suportável. Mas o
exercício só fica bom, de fato, quando termina. Que sensação de paz e
tranqüilidade! Que prazer traz a certeza de que posso passar o resto do
dia sentado, sem o menor sentimento de culpa.
Se eu perguntasse às pessoas daquela fila por que razão levam vidas
sedentárias, todas apresentariam
justificativas convincentes: excesso
de trabalho, filhos que precisam ir
para a escola, obrigações familiares,
trânsito, falta de dinheiro, violência
urbana.
No passado, diante desses argumentos, eu ficava condoído e me calava. Os anos de profissão mudaram
minha atitude, entretanto: escuto as
explicações em silêncio, mas não me
comovo com elas. O coração vira
uma pedra de gelo. No final, quando
meu interlocutor pergunta como
poderia encontrar tempo para a atividade física regular, respondo:
"Isso é problema seu."
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