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Figura animada
Livros, reedição de diários e mostras em SP e no Rio marcam os 20 anos da morte do artista pop Keith Haring
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando Nina fez sete anos,
ganhou de presente do amigo
Keith Haring um livro com
ilustrações para acompanhar o
que quisesse colar, desenhar,
guardar ou rabiscar nele. Mas
seu pai, o pintor Francesco Clemente, não deixou que fizesse
nenhuma marca no caderno.
Ela percebeu então que o
presente era uma obra de arte e
que o homem que frequentava
sua casa e passava mais tempo
entre as crianças do que com os
adultos era um grande artista.
"Meu pai fazia festas incríveis no Réveillon, e o Keith entrava debaixo da mesa comigo
para tomar champanhe escondido", lembra Nina Clemente,
28, que cresceu na Nova York
dos anos 80, caldeirão do hip
hop e ponto de projeção mundial para o grafiteiro amigo de
Madonna e Andy Warhol. "Ele
gostava mais da mesa das crianças, era ligado nessa inocência."
Agora, 20 anos depois da
morte de Haring, em decorrência de Aids aos 31, "O Livro da
Nina para Guardar Pequenas
Coisas" é editado no Brasil. É o
primeiro numa série de lançamentos que marcam essas duas
décadas de ausência de um dos
maiores nomes da arte pop.
Na cola do livro infantil, seus
diários estão sendo reeditados
nos Estados Unidos, pela Penguin, e a Cosac Naify lança "Ah,
se a Gente Não Precisasse Dormir!", volume em que crianças
e adolescentes analisam a arte
de Haring. "Acho que essa pessoa é muito grande e forte por
fora, mas por dentro ela é bem
fraquinha e muito sensível", diz
um dos relatos do livro. "Está
toda cheia de emoções."
Na verdade, Haring, franzino
e com cara de "nerd", não tinha
nada de "grande e forte". Quando veio ao Brasil, nos anos 80,
mostrou que fortes eram seus
traços, combustível para toda
uma leva de grafiteiros que então começavam a cobrir os muros de São Paulo, onde o artista
participou da Bienal de 1983.
"Rolês pela cidade"
"Tem um vídeo da gente
comprando latinha de spray na
Teodoro Sampaio", lembra o
grafiteiro Rui Amaral, então
monitor da Bienal que "fez uns
rolês" com Haring pela cidade.
"Ele foi em casa, tomamos um
cafezinho, ele fez um desenho
na parede do meu quarto."
Também fez um painel
imenso no pavilhão da Bienal e
deixou marcas nos muros da
avenida Sumaré e outros pontos da cidade, todos apagados
agora. Mas seus bonequinhos
dançando, traços sintéticos em
cores gritantes, viraram marca
registrada de seu estilo, reproduzido agora à exaustão como
previa a cartilha pop e seu desejo de manter a arte sempre
diante dos olhos do público.
"No dia em que ele pintou o
mural dele, vieram as televisões para filmar", lembra o curador Ivo Mesquita, que também trabalhou na Bienal daquele ano. "Ele era uma figura
que polarizava as atenções."
Mesmo sem Haring, sua arte
estará de volta em julho numa
retrospectiva na Caixa Cultural, em São Paulo e depois no
Rio, com quase cem de suas
obras mais célebres e séries
nunca exibidas inteiras no país,
como as ilustrações para "Apocalypse", ensaio de William
Burroughs, seus desenhos contra o apartheid e toda a gama
colorida de obras engajadas em
prol dos direitos civis.
"Na faculdade em Nova York,
fiquei decepcionado com as
pessoas, todo mundo parecia
muito comum, até que encontrei o Keith e vi que era um cara
diferente", lembra o grafiteiro
Kenny Scharf, amigo de Haring, que terá uma individual
na galeria Casa Triângulo neste
ano em paralelo à Bienal, em
setembro. "Ele tinha vontade
de levar a arte de volta às pessoas, para as ruas, que não fosse
algo só de museu ou galeria."
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