São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2010

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Crítica/"Segredos da Tribo"

Antropólogos enlouqueceram, sugere filme de José Padilha

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

As denúncias contidas no documentário de José Padilha -atrocidades que teriam sido cometidas por antropólogos contra os índios ianomâmis- não são novas, mas nem por isso menos relevantes. Foram noticiadas há quase dez anos, quando reacenderam a guerra ancestral entre os clãs da área, antropologia física contra antropologia cultural.
O detonador foi um livro do jornalista Patrick Tierney, "Trevas no Eldorado". Tierney aparece várias vezes no documentário, que segue o livro de perto. O mérito maior do filme está no testemunho direto de alguns dos denunciados, como os americanos Napoleon Chagnon (acusado de genocídio) e Kenneth Good (pedofilia).
Nas décadas de 1960 e 1970, nenhum antropólogo que tenha feito fama à custa dos ianomâmis parece ter agido com decência (para não mencionar ética de pesquisa). Cargas de machados e facões de aço lhes davam, nas aldeias, um poder descomunal que exerciam ao arbítrio de inclinações teóricas, ideológicas e sexuais.
Tudo é repugnante. Chagnon, por exemplo, teria usado os ianomâmis -"O Povo Feroz", título de sua obra mais conhecida e vilipendiada- para comprovar a tese de que a violência acentuada entre eles servia para conseguir mulheres e gerar mais prole. Algo similar ao que acontece entre chimpanzés.
Essa linha sociobiológica de investigação do comportamento conta com a defesa, numa das cenas, do grande biólogo Edward O. Wilson, campeão da biodiversidade. Para ele, é preciso estudar os ianomâmis antes que desapareçam, como tantas plantas e animais.
Já Kenneth Good casou-se com uma indiazinha de seus 11 ou 12 anos e lhe fez três filhos. A fábula de amor selvagem foi registrada em livro. O casamento desfez-se anos depois, já em Nova York.

Reputação
Jacques Lizot, francês repetidamente apresentado como protegido do grande antropólogo cultural Claude Lévi-Strauss (morto em outubro do ano passado), preferia meninos. Sua reputação é a que sai mais prejudicada do filme, pois se recusou a gravar testemunho. As cenas de ianomâmis ressentidos descrevendo o que fazia se destacam pela perversidade das práticas e dos testemunhos.
O caso da vacina de sarampo ministrada aos índios por Chagnon e James Neel (morto em fevereiro de 2000), complicadíssimo, resulta mal explicado até para quem acompanhou o caso na época. E, assim, todo o resto.
Ao final do documentário, pouca coisa se salva da antropologia, de um lado e de outro. Faltou dizer que nem toda a disciplina se encontra nesse nível. Algumas imagens, aliás, sugerem o oposto. A câmera que percorre os corredores das reuniões de especialistas e exibe seus tantos livros carrega uma mensagem anti-intelectual: antropólogos estão dispostos a tudo por fama e poder. Serão os únicos?


SEGREDOS DA TRIBO

Direção: José Padilha
Quando: hoje, às 17h, no Espaço Unibanco Augusta
Classificação: 14 anos
Avaliação: regular




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