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Crítica/"Segredos da Tribo"
Antropólogos enlouqueceram, sugere filme de José Padilha
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
As denúncias contidas no
documentário de José
Padilha -atrocidades
que teriam sido cometidas por
antropólogos contra os índios
ianomâmis- não são novas,
mas nem por isso menos
relevantes. Foram noticiadas
há quase dez anos, quando reacenderam a guerra ancestral
entre os clãs da área, antropologia física contra antropologia
cultural.
O detonador foi um livro do
jornalista Patrick Tierney,
"Trevas no Eldorado". Tierney
aparece várias vezes no documentário, que segue o livro de
perto. O mérito maior do filme
está no testemunho direto de
alguns dos denunciados, como
os americanos Napoleon Chagnon (acusado de genocídio) e
Kenneth Good (pedofilia).
Nas décadas de 1960 e 1970,
nenhum antropólogo que tenha feito fama à custa dos ianomâmis parece ter agido com
decência (para não mencionar
ética de pesquisa). Cargas de
machados e facões de aço lhes
davam, nas aldeias, um poder
descomunal que exerciam ao
arbítrio de inclinações teóricas,
ideológicas e sexuais.
Tudo é repugnante. Chagnon, por exemplo, teria usado
os ianomâmis -"O Povo Feroz", título de sua obra mais conhecida e vilipendiada- para
comprovar a tese de que a
violência acentuada entre
eles servia para conseguir mulheres e gerar mais prole. Algo
similar ao que acontece entre
chimpanzés.
Essa linha sociobiológica de
investigação do comportamento conta com a defesa, numa
das cenas, do grande biólogo
Edward O. Wilson, campeão da
biodiversidade. Para ele, é preciso estudar os ianomâmis antes que desapareçam, como
tantas plantas e animais.
Já Kenneth Good casou-se
com uma indiazinha de seus 11
ou 12 anos e lhe fez três filhos. A
fábula de amor selvagem foi registrada em livro. O casamento
desfez-se anos depois, já em
Nova York.
Reputação
Jacques Lizot, francês repetidamente apresentado como
protegido do grande antropólogo cultural Claude Lévi-Strauss
(morto em outubro do ano passado), preferia meninos. Sua
reputação é a que sai mais prejudicada do filme, pois se recusou a gravar testemunho. As cenas de ianomâmis ressentidos
descrevendo o que fazia se destacam pela perversidade das
práticas e dos testemunhos.
O caso da vacina de sarampo
ministrada aos índios por
Chagnon e James Neel (morto
em fevereiro de 2000), complicadíssimo, resulta mal explicado até para quem acompanhou
o caso na época. E, assim, todo o
resto.
Ao final do documentário,
pouca coisa se salva da antropologia, de um lado e de outro.
Faltou dizer que nem toda a
disciplina se encontra nesse nível. Algumas imagens, aliás, sugerem o oposto. A câmera que
percorre os corredores das reuniões de especialistas e exibe
seus tantos livros carrega uma
mensagem anti-intelectual: antropólogos estão dispostos a tudo por fama e poder.
Serão os únicos?
SEGREDOS DA TRIBO
Direção: José Padilha
Quando: hoje, às 17h, no Espaço
Unibanco Augusta
Classificação: 14 anos
Avaliação: regular
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