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Para Juan José Saer, o peronismo hoje não passa de uma imagem
DA REDAÇÃO
Juan José Saer, 65, é o mais importante nome da literatura argentina contemporânea. Nascido
na província de Santa Fé, este filho de imigrantes sírios vive desde
1968 em Paris. Entre seus livros
mais importantes editados aqui,
estão "Ninguém Nada Nunca"
(Companhia das Letras) e "O Enteado" (Iluminuras).
Atualmente, Saer está trabalhando em um novo romance,
"La Grande", que será publicado
no ano que vem. "É uma história
que se passa na Argentina dos
anos 90, inspirada pela "Sinfonia
Nš 9" de Schubert e pela "Grande
Fuga" de Beethoven."
O escritor virá ao Brasil em junho, para participar de um evento
com Haroldo de Campos (leia
abaixo). A seguir, os principais
trechos da entrevista de Saer-
que escreve mensalmente no
Mais!- feita por telefone.
(SC)
Folha - Desde a queda de Fernando de la Rúa, a crise política argentina se acirrou, ainda que agora tenha havido uma melhora no plano
econômico. Curiosamente, foi este
também um período de intensa
produção cultural -no cinema
principalmente, mas também na literatura. Qual é sua explicação?
Juan José Saer - Essa efervescência cultural se parece com aquele
mito de que a potência sexual e a
libido costumam se acentuar em
velórios, porque, quando acaba
de desaparecer um membro de
uma espécie, é preciso refazer um
outro imediatamente para que essa espécie siga existindo.
Trata-se de um reflexo da falência do país. É uma maneira de responder à moléstia que o aflige e de
tentar conservar um sentimento
de coesão social, de reconhecimento mútuo de nossa sociedade.
O cinema argentino é um fenômeno. São filmes muito pobres
em termos de produção, com
uma estética quase neo-realista.
Creio que não se pode esquecer de
que há influência brasileira, do cinema novo e da primeira fase de
Glauber Rocha, por exemplo.
Folha - Como você vê o legado de
Perón como símbolo político numa
eleição que teve entre os candidatos três justicialistas?
Saer - O legado de Perón já não
existe na Argentina. É o mesmo
que considerar que Chirac segue
o legado de De Gaulle. O governo
de Chirac teve uma atitude admirável na guerra do Iraque. Podemos dizer que nesse episódio havia algum resquício da doutrina
de De Gaulle, a respeito da Otan,
dos Estados Unidos etc.
Mas não é assim, o gaullismo é
um movimento que já cumpriu
sua função e os que se declaram
gaullistas hoje só o podem fazer
por uma adesão histórica e pelo
culto a uma pessoa. Na Argentina,
creio que acontece o mesmo em
relação ao peronismo.
Folha - Mas o símbolo de Perón
continua valendo votos.
Saer - Sim, rende, da mesma forma que os radicais utilizam a imagem de Yrigoyen [ex-presidente,
líder da União Cívica Radical,
derrubado em 1930". É apenas isso, a imagem. O peronismo como
doutrina não tem mais vigência
desde 1950. A partir daí começou
a haver um oportunismo político
no uso dessa imagem.
Folha - Qual sua opinião sobre a
crítica de escritores e intelectuais a
Fidel Castro, depois da execução
dos três sequestradores de barco
que tentavam fugir para os EUA?
Saer - O governo cubano tinha
de ter a delicadeza de pensar em
todos aqueles que viemos sustentando Cuba contra vento e maré
todos esses anos e deixar de fazer
esse tipo de coisa. Sou contra a pena de morte, especialmente num
país como Cuba. É hora de Fidel
Castro inaugurar um processo
democrático e ir-se. Ele deve isso
aos que o apoiaram tanto tempo.
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