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São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 2003

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Para Juan José Saer, o peronismo hoje não passa de uma imagem

DA REDAÇÃO

Juan José Saer, 65, é o mais importante nome da literatura argentina contemporânea. Nascido na província de Santa Fé, este filho de imigrantes sírios vive desde 1968 em Paris. Entre seus livros mais importantes editados aqui, estão "Ninguém Nada Nunca" (Companhia das Letras) e "O Enteado" (Iluminuras).
Atualmente, Saer está trabalhando em um novo romance, "La Grande", que será publicado no ano que vem. "É uma história que se passa na Argentina dos anos 90, inspirada pela "Sinfonia Nš 9" de Schubert e pela "Grande Fuga" de Beethoven."
O escritor virá ao Brasil em junho, para participar de um evento com Haroldo de Campos (leia abaixo). A seguir, os principais trechos da entrevista de Saer- que escreve mensalmente no Mais!- feita por telefone. (SC)
 
Folha - Desde a queda de Fernando de la Rúa, a crise política argentina se acirrou, ainda que agora tenha havido uma melhora no plano econômico. Curiosamente, foi este também um período de intensa produção cultural -no cinema principalmente, mas também na literatura. Qual é sua explicação?
Juan José Saer -
Essa efervescência cultural se parece com aquele mito de que a potência sexual e a libido costumam se acentuar em velórios, porque, quando acaba de desaparecer um membro de uma espécie, é preciso refazer um outro imediatamente para que essa espécie siga existindo.
Trata-se de um reflexo da falência do país. É uma maneira de responder à moléstia que o aflige e de tentar conservar um sentimento de coesão social, de reconhecimento mútuo de nossa sociedade.
O cinema argentino é um fenômeno. São filmes muito pobres em termos de produção, com uma estética quase neo-realista. Creio que não se pode esquecer de que há influência brasileira, do cinema novo e da primeira fase de Glauber Rocha, por exemplo.

Folha - Como você vê o legado de Perón como símbolo político numa eleição que teve entre os candidatos três justicialistas?
Saer -
O legado de Perón já não existe na Argentina. É o mesmo que considerar que Chirac segue o legado de De Gaulle. O governo de Chirac teve uma atitude admirável na guerra do Iraque. Podemos dizer que nesse episódio havia algum resquício da doutrina de De Gaulle, a respeito da Otan, dos Estados Unidos etc.
Mas não é assim, o gaullismo é um movimento que já cumpriu sua função e os que se declaram gaullistas hoje só o podem fazer por uma adesão histórica e pelo culto a uma pessoa. Na Argentina, creio que acontece o mesmo em relação ao peronismo.

Folha - Mas o símbolo de Perón continua valendo votos.
Saer -
Sim, rende, da mesma forma que os radicais utilizam a imagem de Yrigoyen [ex-presidente, líder da União Cívica Radical, derrubado em 1930". É apenas isso, a imagem. O peronismo como doutrina não tem mais vigência desde 1950. A partir daí começou a haver um oportunismo político no uso dessa imagem.

Folha - Qual sua opinião sobre a crítica de escritores e intelectuais a Fidel Castro, depois da execução dos três sequestradores de barco que tentavam fugir para os EUA?
Saer -
O governo cubano tinha de ter a delicadeza de pensar em todos aqueles que viemos sustentando Cuba contra vento e maré todos esses anos e deixar de fazer esse tipo de coisa. Sou contra a pena de morte, especialmente num país como Cuba. É hora de Fidel Castro inaugurar um processo democrático e ir-se. Ele deve isso aos que o apoiaram tanto tempo.



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