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Matemática da dor
Almir Mavignier, 83, um dos mais importantes artistas concretos do Brasil, apresenta cartazes e telas no MAC-Niterói e relembra para a Folha sua experiência em um hospital psiquiátrico e sua trajetória na Alemanha
Letícia Pontual/Folha Imagem
| Mavignier ao lado de tela exposta no MAC-Niterói |
MARIO GIOIA
ENVIADO ESPECIAL A NITERÓI (RJ)
A greve dos auditores fiscais
atrapalhou, mas não impediu a
realização de uma mostra que
celebra a obra de um dos principais nomes da arte construtiva no Brasil. O carioca Almir
Mavignier, 83, radicado desde
1953 na Alemanha, doou uma
série de 29 cartazes de sua autoria para o Museu de Arte
Contemporânea de Niterói,
que se tornou o centro da exposição "Poetas da Cor", com
obras dele e de outros artistas
como Abraham Palatnik, 80, e
Eduardo Sued, 82.
A exposição começou no último dia 3, com telas de Mavignier cedidas pela Dan Galeria,
de São Paulo, e pelo Museu de
Arte Brasileira, da Faap, já que
o lote de cartazes não havia sido
liberado pela Receita Federal.
A série foi incorporada à exposição apenas na última terça,
junto de dois "Cinecromáticos"
de Palatnik, também da coleção
de Mavignier, que foram doados ao museu.
Mavignier tem uma história
central na arte brasileira por
ser o idealizador do ateliê de
pintura do Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro -onde era monitor-, nos anos 40,
que propiciou que internos como Emygdio de Barros (1895-1987) e Raphael Domingues
(1913-1979) virassem artistas.
No local, amigos de Mavignier,
como o crítico Mário Pedrosa
(1900-1981), Palatnik e Ivan
Serpa (1923-1973), foram influenciados em como ver arte.
Hoje renomado designer em
Hamburgo e ausente do Brasil
desde 2000, Mavignier foi aluno da famosa Escola Superior
da Forma, em Ulm (Alemanha), tendo aulas com nomes
como Josef Albers (1888-1976).
Em entrevista para a Folha,
Mavignier diz ter "fugido" do
Engenho de Dentro e fala mais
sobre a convivência com nomes-chave da arte mundial. A
seguir, trechos da conversa.
O COMEÇO
Nessa fase, quem foi importante foi Arpad Szenes [1897-1985,
artista húngaro]. Ele me ensinou a fazer a representação do
espaço na tela, com perspectiva
e unidade de cores. A passagem
para a arte concreta foi ligada à
tese do Mário Pedrosa, que tinha como base a teoria da gestalt [a arte atinge o espectador
sem a mediação do intelecto].
Como pintor, eu cheguei à conclusão de que não precisava fazer algo que retratasse a natureza.
O ENGENHO DE DENTRO
Eu idealizei as experiências do
ateliê de pintura do Engenho
de Dentro. A doutora Nise da
Silveira [1905-1999] dirigia o
serviço de assistência social e o
serviço de ocupação terapêutica. Lá havia várias seções, como
a de encadernação. A seção de
pintura ainda não existia. Cheguei para a Nise e disse: "A senhora não teria interesse em
fazer um ateliê de pintura
aqui?". No fundo, eu queria um
ateliê de pintura para mim. Eu
era contratado para fiscalizar
os loucos agitados. Não tinha
músculos para acalmar ninguém. E a Nise aceitou.
A DESCOBERTA DOS ARTISTAS
O primeiro problema do ateliê
era descobrir os artistas. A primeira coisa que fiz foi procurar
nas fichas. Encontrei o Raphael
[Domingues], que tinha participado de um instituto de desenho. Eu chegava nos pátios e
começava a procurar quem tinha cara de artista [risos], uma
coisa absurda. Fui à enfermaria
e me disseram que tinha um
louco que desenhava muito.
Embaixo do leito dele, havia
caixas de sapatos cheias de desenhos. Eram feitos sobre papel higiênico, que não eram em
rolos, eram retangulares, fantásticos e em série. Esse interno era o Carlos Pertuis [1910-1977]. O Emygdio [de Barros] foi um caso extraordinário. Ele
não tinha se adaptado na oficina de encadernação. Quando
ele chegou, era manso. Tinha os
olhos enormes, era pequeno.
Muito tímido, mas nas primeiras aquarelas que fez, foi uma
grande surpresa. Comecei a dar
cada vez mais material para o
Emygdio. Ele começou a pintar
suas vivências anteriores.
Uma vez dei um grande quadro, o maior quadro dele. Ele
começou do lado esquerdo, até
o lado direito, e aí voltou para o
lado esquerdo e começou a pintar em cima. E o que ele já tinha
pintado era uma coisa formidável, extraordinária. E eu via
com terror que obras-primas
foram cobertas, pois ele tinha
de registrar outras vivências.
Foi muito penoso. Tive a idéia
de comprar várias telas e deixar
no canto. Aí ele aprendeu a terminar.
A IDA PARA O EXTERIOR
Eu "fugi" de Engenho de Dentro. Eu não era psiquiatra, não
era psicólogo. Eles têm rótulos,
esse é esquizofrênico, aquele é
maníaco-depressivo... Eu não
tinha isso. Chegou a um ponto
em que eu esquecia a mim mesmo. Eu era um pintorzinho,
quem eu era perto do Emygdio? Um ninguém. Perdi a minha identidade. Quando fui para a Europa, me salvei.
A ALEMANHA
Ulm, no início, foi uma escola
cheia de idealismo e tolerância,
uma grande criação, uma atmosfera fantástica. Trabalhar
diariamente com Josef Albers
era extraordinário. A mensagem principal de Albers como
professor foi a de que a cor é relativa. Mas a adaptação se deu
pessimamente. Uma língua
horrível, o alemão não tem salvação. Foi duríssimo. Os jovens
alemães são muito sérios.
O DESIGN
Foi um processo lento. Era pintor e queria viver em Paris, mas
a relação entre galerias e pintores era só comercial. Quis
aprender a fazer qualquer coisa
para ganhar dinheiro. Comecei
a fazer cartazes e desenvolvi a
idéia que um cartaz é para ser
visto, não para ser lido. Por
exemplo, em um deles, eu imprimi com verniz transparente.
Ele não pode ser lido, só quando a luz bate; quando não há
luz, a palavra desaparece.
NA INTERNET
folha.com.br/081302
Leia a entrevista na íntegra
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