São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 2008

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Matemática da dor

Almir Mavignier, 83, um dos mais importantes artistas concretos do Brasil, apresenta cartazes e telas no MAC-Niterói e relembra para a Folha sua experiência em um hospital psiquiátrico e sua trajetória na Alemanha

Letícia Pontual/Folha Imagem
Mavignier ao lado de tela exposta no MAC-Niterói


MARIO GIOIA
ENVIADO ESPECIAL A NITERÓI (RJ)

A greve dos auditores fiscais atrapalhou, mas não impediu a realização de uma mostra que celebra a obra de um dos principais nomes da arte construtiva no Brasil. O carioca Almir Mavignier, 83, radicado desde 1953 na Alemanha, doou uma série de 29 cartazes de sua autoria para o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, que se tornou o centro da exposição "Poetas da Cor", com obras dele e de outros artistas como Abraham Palatnik, 80, e Eduardo Sued, 82.
A exposição começou no último dia 3, com telas de Mavignier cedidas pela Dan Galeria, de São Paulo, e pelo Museu de Arte Brasileira, da Faap, já que o lote de cartazes não havia sido liberado pela Receita Federal.
A série foi incorporada à exposição apenas na última terça, junto de dois "Cinecromáticos" de Palatnik, também da coleção de Mavignier, que foram doados ao museu.
Mavignier tem uma história central na arte brasileira por ser o idealizador do ateliê de pintura do Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro -onde era monitor-, nos anos 40, que propiciou que internos como Emygdio de Barros (1895-1987) e Raphael Domingues (1913-1979) virassem artistas.
No local, amigos de Mavignier, como o crítico Mário Pedrosa (1900-1981), Palatnik e Ivan Serpa (1923-1973), foram influenciados em como ver arte. Hoje renomado designer em Hamburgo e ausente do Brasil desde 2000, Mavignier foi aluno da famosa Escola Superior da Forma, em Ulm (Alemanha), tendo aulas com nomes como Josef Albers (1888-1976).
Em entrevista para a Folha, Mavignier diz ter "fugido" do Engenho de Dentro e fala mais sobre a convivência com nomes-chave da arte mundial. A seguir, trechos da conversa.  

O COMEÇO
Nessa fase, quem foi importante foi Arpad Szenes [1897-1985, artista húngaro]. Ele me ensinou a fazer a representação do espaço na tela, com perspectiva e unidade de cores. A passagem para a arte concreta foi ligada à tese do Mário Pedrosa, que tinha como base a teoria da gestalt [a arte atinge o espectador sem a mediação do intelecto]. Como pintor, eu cheguei à conclusão de que não precisava fazer algo que retratasse a natureza.

O ENGENHO DE DENTRO
Eu idealizei as experiências do ateliê de pintura do Engenho de Dentro. A doutora Nise da Silveira [1905-1999] dirigia o serviço de assistência social e o serviço de ocupação terapêutica. Lá havia várias seções, como a de encadernação. A seção de pintura ainda não existia. Cheguei para a Nise e disse: "A senhora não teria interesse em fazer um ateliê de pintura aqui?". No fundo, eu queria um ateliê de pintura para mim. Eu era contratado para fiscalizar os loucos agitados. Não tinha músculos para acalmar ninguém. E a Nise aceitou.

A DESCOBERTA DOS ARTISTAS
O primeiro problema do ateliê era descobrir os artistas. A primeira coisa que fiz foi procurar nas fichas. Encontrei o Raphael [Domingues], que tinha participado de um instituto de desenho. Eu chegava nos pátios e começava a procurar quem tinha cara de artista [risos], uma coisa absurda. Fui à enfermaria e me disseram que tinha um louco que desenhava muito.
Embaixo do leito dele, havia caixas de sapatos cheias de desenhos. Eram feitos sobre papel higiênico, que não eram em rolos, eram retangulares, fantásticos e em série. Esse interno era o Carlos Pertuis [1910-1977]. O Emygdio [de Barros] foi um caso extraordinário. Ele não tinha se adaptado na oficina de encadernação. Quando ele chegou, era manso. Tinha os olhos enormes, era pequeno.
Muito tímido, mas nas primeiras aquarelas que fez, foi uma grande surpresa. Comecei a dar cada vez mais material para o Emygdio. Ele começou a pintar suas vivências anteriores.
Uma vez dei um grande quadro, o maior quadro dele. Ele começou do lado esquerdo, até o lado direito, e aí voltou para o lado esquerdo e começou a pintar em cima. E o que ele já tinha pintado era uma coisa formidável, extraordinária. E eu via com terror que obras-primas foram cobertas, pois ele tinha de registrar outras vivências.
Foi muito penoso. Tive a idéia de comprar várias telas e deixar no canto. Aí ele aprendeu a terminar.

A IDA PARA O EXTERIOR
Eu "fugi" de Engenho de Dentro. Eu não era psiquiatra, não era psicólogo. Eles têm rótulos, esse é esquizofrênico, aquele é maníaco-depressivo... Eu não tinha isso. Chegou a um ponto em que eu esquecia a mim mesmo. Eu era um pintorzinho, quem eu era perto do Emygdio? Um ninguém. Perdi a minha identidade. Quando fui para a Europa, me salvei.

A ALEMANHA
Ulm, no início, foi uma escola cheia de idealismo e tolerância, uma grande criação, uma atmosfera fantástica. Trabalhar diariamente com Josef Albers era extraordinário. A mensagem principal de Albers como professor foi a de que a cor é relativa. Mas a adaptação se deu pessimamente. Uma língua horrível, o alemão não tem salvação. Foi duríssimo. Os jovens alemães são muito sérios.

O DESIGN
Foi um processo lento. Era pintor e queria viver em Paris, mas a relação entre galerias e pintores era só comercial. Quis aprender a fazer qualquer coisa para ganhar dinheiro. Comecei a fazer cartazes e desenvolvi a idéia que um cartaz é para ser visto, não para ser lido. Por exemplo, em um deles, eu imprimi com verniz transparente. Ele não pode ser lido, só quando a luz bate; quando não há luz, a palavra desaparece.

NA INTERNET
folha.com.br/081302
Leia a entrevista na íntegra

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