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São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2003

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O "intraduzível" "Finnegans Wake" ganha versão completa no Brasil

Joyce sem legenda

Genaro Joner/"Zero Hora"
O tradutor Donaldo Schüler


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

E o Brasil crava sua bandeira no topo da Torre de Babel. Publicado originalmente em 1939, considerado o trabalho mais complexo e intraduzível de toda a literatura contemporânea, "Finnegans Wake", de James Joyce, ganha sua versão completa em português.
Está chegando às livrarias "Finnicius Revém - Livros 3 e 4", quinto e último catatau da série publicada pela Ateliê Editorial e traduzida (ou transcriada, como ele prefere) por Donaldo Schüler.
A empreitada coloca o país em um grupo menor, bem menor, do que o G-8. Só a Fra nça e o Japão tinha m edições completas do romance que o escritor irlandês, nascido em 1882 e morto em 1941, levou 16 anos escrevendo.
Itália, Alemanha e Espanha têm traduções parciais, o que o Brasil já tinha desde os anos 60, com o pioneiro "Panaroma do Finnegans Wake" (Perspectiva), de Augusto e Haroldo de Campos.
Nascido em Santa Catarina, e "gaúcho desde 1945", Donaldo Schüler, 70, bebeu justamente nessa fonte para começar seu trabalho. O primeiro volume de seu "Finnegans Wake" é inclusive dedicado a Haroldo de Campos, e "Finnicius Revém", título com o qual batizou sua versão, é o mesmo criado pelos concretistas.
Mas as diferenças começam já na primeira palavra. Chamado de romance-rio por diversas razões (por citar 700 rios em um só capítulo e, sobretudo, pelo fluxo corrente da narrativa), "Finnegans Wake" começa com o termo "riverrun". Os Campos traduziram como "riocorrente". Schüler como "rolarrioanna".
E por aí flutua a saga joyciana, que o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul começou a traduzir em 1997 e que, com a publicação do quinto volume, totaliza 1.701 páginas.
A edição da Ateliê é bilíngue: português-inglês. E isso é apenas meia-verdade. Estima-se que Joyce tenha usado termos de 65 idiomas diferentes nesse livro.
Na próxima segunda, durante o Bloomsday de São Paulo, festa que celebra anualmente James Joyce, será lançado um livro que mapeia as palavras em português no original de "Finnegans Wake".
Donaldo Schüler chama atenção para uma delas, presente já na primeira página da obra. Em meio a uma palavra de cem letras que reproduz o barulho de uma queda está lá o termo "trovar".
Professor de literatura grega, versado no latim, francês, hebraico, italiano e alemão, o tradutor diz que estão no livro não só todas as línguas das quais Joyce conheceu palavras, mas todos os livros que o autor de "Ulisses" leu.
"Joyce tinha a pretensão de fazer a Bíblia do século 20. Reescreve tudo que haviam feito: Homero, Heráclito, "1.001 Noites"...", opina Schüler. Nesse sentido, diz ele, o escritor "é o menos original dos autores". E, sem querer criticar Joyce, o professor lembra que o "núcleo central é o mais banal da literatura ocidental".
Ele resume a trama "principal": "Duas moças fazem xixi em lugar impróprio, no Phoenix Park, em Dublin, são surpreendidas por um cavalheiro que não se comporta corretamente diante da situação. Apresentam-se três guardas bêbados para protegê-la. HCE, ou Here Comes Everybody, figura masculina central, sente conflitos diante do fato". A trama é o que menos importa do livro, segundo o tradutor. "A riqueza do livro está nas criações verbais, no romper do processo narrativo."
Essas características, somadas à aproximação que Joyce faz ao universo dos sonhos, deram a "Finnegans Wake" a reputação de uma das obras mais difíceis da literatura mundial. Para romper essas barreiras, Schüler recomenda duas coisas. Como já prescrevia Joyce, sugere que se leia em voz alta. Também propõe que seu "Finnicius Revém" seja degustado em grupo.
É assim que ele mesmo continua relendo o livro enquanto se prepara para seu próximo desafio: traduzir do grego a "Odisséia", de Homero. "O engraçado é que nunca pensei em ser tradutor", diz o também ensaísta e ficcionista que, atenção, estreou como tradutor com "Finnegans Wake".

FINNEGANS WAKE/ FINNICIUS REVÉM - LIVRO 3 e 4. Autor: James Joyce. Tradução: Donaldo Schüler. Editora: Ateliê Editorial (tel. 0/xx/ 11/ 4612-9666). Quanto: R$ 70 (540 págs.).


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