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CINEMA
Chico Faganello mistura ficção e documentário no longa-metragem "Outra Memória", sobre a atriz Edith Gaertner
Filme reanima fantasma do nazismo em SC
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O 155º aniversário de Blumenau
(SC), em 2 de setembro, será comemorado com o lançamento de
um filme um tanto incômodo,
"Outra Memória", do cineasta catarinense Chico Faganello.
Misturando ficção e documentário, esse longa-metragem recupera e discute as trajetórias de
dois personagens emblemáticos:
o químico e filósofo Hermann
Bruno Otto Blumenau (1819-99),
fundador da cidade, e a atriz Edith
Gaertner (1882-1967), sua sobrinha-neta, que depois de fazer carreira no teatro europeu voltou a
Blumenau, onde manteve uma vida reclusa e misteriosa.
O enredo é simples: um grupo
teatral resolve montar no teatro
Carlos Gomes, de Blumenau, uma
peça sobre Edith Gaertner para a
comemoração do aniversário da
cidade. Na pesquisa sobre a vida
da atriz, vêm à tona aspectos geralmente negligenciados da ocupação alemã no Sul, como o genocídio de índios e a presença nazista na região na época da Segunda
Guerra.
Faganello, que fez anteriormente o documentário "Capitão Imaginário", sobre a Ilha de Santa Catarina, deixa claro que "Outra
Memória" não é um filme sobre o
nazismo no Estado. "O que me interessava sobretudo era a história
íntima dessa atriz esforçada que
passou 13 anos trabalhando duro
na Alemanha, tomando pau dos
críticos porque não falava alemão
direito, já que tinha nascido nos
trópicos."
Ao longo de uma pesquisa de
dois anos em arquivos do Brasil e
da Alemanha, o cineasta se deparou com uma rica documentação
sobre os tentáculos do nazismo
em Santa Catarina.
No filme, ele usa trechos de cinejornais nazistas dublados ou legendados em português, alguns
deles com comerciais de empresas germano-brasileiras. Por
exemplo, do remédio Instantina,
produzido pela Bayer.
"Várias empresas brasileiras de
origem alemã entraram numa lista negra do governo dos EUA durante a guerra", diz Faganello.
"Mas devemos lembrar que havia
uma paranóia antigermânica. A
língua alemã foi proibida, nomes
germânicos foram mudados,
houve campos de prisioneiros para alemães suspeitos."
Muitos desses suspeitos não tinham ligação com o nazismo,
avalia o diretor. "Outros colaboraram não por motivos políticos,
mas por patriotismo. Eles viviam
muito isolados no Brasil."
A presença nazista no Sul do
Brasil é um tema tabu. "A TV local passou uma série sobre a história de Blumenau que praticamente pulava os anos 40", diz Faganello. O cineasta Sylvio Back virou "persona non grata" na região
quando realizou o longa "Aleluia
Gretchen" (1976), que abordava o
assunto.
Para Faganello, essa cortina de
silêncio não se justifica mais. "Milhões de alemães decentes caíram
no projeto de Hitler, no mundo
todo. Na Alemanha eles já purgaram essa culpa. Os brasileiros descendentes de alemães também
não têm por que carregá-la por
mais tempo."
"Outra Memória", que até agora custou R$ 190 mil, foi realizado
em vídeo digital e, por enquanto,
Faganello não pensa em transferi-lo para película. Pretende mostrá-lo em festivais e em cinemas equipados para a exibição digital. Depois, lançará "Outra Memória"
em DVD e tentará vendê-lo a canais de TV.
"Meu público-alvo é, principalmente, o do Sul do país. E também o da Alemanha, onde já tenho acordo de distribuição com a
produtora Fresh Frames, de Colônia", diz Faganello.
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