São Paulo, terça-feira, 12 de junho de 2007

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CECILIA GIANNETTI

Estrelas traçantes

Estrondos seguem os riscos luminosos; estão fazendo pedidos a balas disparadas entre os morros do Rio

NO MEIO da festa, num apartamento do Leme, dois caras me chamam à janela, apontando pro céu atrás das grades de ferro: "Faz um pedido!".
Lá fora, estrondos seguem os riscos luminosos. Estranho, o rabo das estrelas cadentes faz barulho.
Equívoco: os sujeitos estão fazendo pedidos a balas traçantes disparadas entre os morros Chapéu Mangueira e da Babilônia.
A avenida Atlântica está bloqueada e, com a chegada da polícia, uma creche, uma escola e o comércio da comunidade permanecerão fechados nos próximos dias.
Isso na zona sul. Naquela noite, na norte, já contavam quase 30 dias de ocupação violenta do Batalhão de Operações Policiais Especiais no Complexo do Alemão, área compreendida por Inhaúma, Bonsucesso, Ramos, Olaria e Penha. De uma ponta a outra, é o que se tem na cidade. Não sou eu quem se repete: é a situação que se propaga.
José Pereira Júnior, coordenador executivo do Grupo Cultural AfroReggae (Gcar), também bate na mesma tecla, até furar -no documentário "Favela Rising", de 2005, já propunha isto e ainda hoje responde a quem quiser saber: para retomar o Rio do domínio do tráfico, "é preciso uma ação conjunta entre empresas privadas, sociedade civil e imprensa", diz.
Jornais e revistas do Rio e de São Paulo já procuram ver de dentro a notícia que antes pegavam de raspão, ao pé da ladeira: conduzidos por Júnior, repórteres têm passado noites e dias em casas nas favelas -sob o escudo do AfroReggae- para descrever o cotidiano dos conflitos.
Lá dentro vêem que, para o Bope, favelado e bandido são a mesma "coisa".
Como aponta o professor da escola de Serviço Social da UFRJ Marildo Menegat em "O Olho da Barbárie" (ed. Expressão Popular, 2006), os gritos de guerra da corporação revelam a criminalização da pobreza: "O interrogatório é muito fácil de fazer/ Pega o favelado e dá porrada até doer/ O interrogatório é muito fácil de acabar/ Pega o bandido e dá porrada até matar".
"A operação é um fracasso: não prenderam nenhum traficante "famoso", não pegaram um paiol nem um carregamento significativo de drogas", critica Júnior, que está em São Paulo para o lançamento da grife AfroReggae/Complexo B na São Paulo Fashion Week.
A grife é outro braço do Gcar, que acaba de fazer 14 anos e atua em centros culturais em Vigário Geral, Parada de Lucas, Cantagalo e Complexo do Alemão e 13 grupos de teatro, circo, dança e música.
"É guerra", afirma o governador do Rio, Sérgio Cabral, em entrevista a Marília Gabriela.
""O Rio não está em guerra", contra-ataca o tenente Jaguaribe do Nascimento Ferreira, do Bope, à revista "Veja".
Os moradores atingidos por tiros de fuzil enquanto assistem à TV em casa ou quando arriscam caminhar até um ponto de Kombi para ir ao trabalho, discordariam do tenente.
Qual pedido fiz à estrela traçante no Leme? Que não acertasse ninguém, é claro.


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