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CECILIA GIANNETTI
Estrelas traçantes
Estrondos seguem os riscos luminosos; estão fazendo pedidos a balas disparadas entre os morros do Rio
NO MEIO da festa, num apartamento do Leme, dois caras
me chamam à janela, apontando pro céu atrás das grades de
ferro: "Faz um pedido!".
Lá fora, estrondos seguem os riscos luminosos. Estranho, o rabo das
estrelas cadentes faz barulho.
Equívoco: os sujeitos estão fazendo pedidos a balas traçantes disparadas entre os morros Chapéu Mangueira e da Babilônia.
A avenida Atlântica está bloqueada e, com a chegada da polícia, uma
creche, uma escola e o comércio da
comunidade permanecerão fechados nos próximos dias.
Isso na zona sul. Naquela noite, na
norte, já contavam quase 30 dias de
ocupação violenta do Batalhão de
Operações Policiais Especiais no
Complexo do Alemão, área compreendida por Inhaúma, Bonsucesso, Ramos, Olaria e Penha. De uma
ponta a outra, é o que se tem na cidade. Não sou eu quem se repete: é a situação que se propaga.
José Pereira Júnior, coordenador
executivo do Grupo Cultural AfroReggae (Gcar), também bate na
mesma tecla, até furar -no documentário "Favela Rising", de 2005,
já propunha isto e ainda hoje responde a quem quiser saber: para retomar o Rio do domínio do tráfico,
"é preciso uma ação conjunta entre
empresas privadas, sociedade civil e
imprensa", diz.
Jornais e revistas do Rio e de São
Paulo já procuram ver de dentro a
notícia que antes pegavam de raspão, ao pé da ladeira: conduzidos por
Júnior, repórteres têm passado noites e dias em casas nas favelas -sob
o escudo do AfroReggae- para descrever o cotidiano dos conflitos.
Lá dentro vêem que, para o Bope,
favelado e bandido são a mesma
"coisa".
Como aponta o professor da escola de Serviço Social da UFRJ Marildo Menegat em "O Olho da Barbárie" (ed. Expressão Popular, 2006),
os gritos de guerra da corporação revelam a criminalização da pobreza:
"O interrogatório é muito fácil de fazer/ Pega o favelado e dá porrada até
doer/ O interrogatório é muito fácil
de acabar/ Pega o bandido e dá porrada até matar".
"A operação é um fracasso: não
prenderam nenhum traficante "famoso", não pegaram um paiol nem
um carregamento significativo de
drogas", critica Júnior, que está em
São Paulo para o lançamento da grife AfroReggae/Complexo B na São
Paulo Fashion Week.
A grife é outro braço do Gcar, que
acaba de fazer 14 anos e atua em centros culturais em Vigário Geral, Parada de Lucas, Cantagalo e Complexo do Alemão e 13 grupos de teatro,
circo, dança e música.
"É guerra", afirma o governador
do Rio, Sérgio Cabral, em entrevista
a Marília Gabriela.
""O Rio não está em guerra", contra-ataca o tenente Jaguaribe do
Nascimento Ferreira, do Bope, à revista "Veja".
Os moradores atingidos por tiros
de fuzil enquanto assistem à TV em
casa ou quando arriscam caminhar
até um ponto de Kombi para ir ao
trabalho, discordariam do tenente.
Qual pedido fiz à estrela traçante
no Leme? Que não acertasse ninguém, é claro.
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