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Crítica/memória
Relato de escritor vê Shakespeare and Company como refúgio
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
A Shakespeare and Company, em Paris, é uma
das livrarias mais famosas do mundo. O sucesso se deve a uma série de peculiaridades e, acima de tudo, à criadora
da loja, Sylvia Beach (1887-1962), e a seu sucessor, George
Whitman (1913). Este, com
suas manias e sua sabedoria,
gera boa parte da força de "Um
Livro por Dia", as memórias
dos meses em que o jornalista e
escritor Jeremy Mercer morou
no lugar.
Inaugurada em 1919, para ser
um local em que se encontrassem livros em inglês em Paris, a
loja logo se tornou ponto de encontro de autores como F.
Scott Fitzgerald, Gertrude
Stein e Ezra Pond. Foi lá também que se arrumou dinheiro
para a primeira publicação de
"Ulisses", de James Joyce, recusado anteriormente por inúmeros editores. Essa primeira
"vida" da livraria durou até
1941, quando os nazistas ocuparam a cidade.
Dez anos depois, do outro lado do Sena, em frente à Notre-Dame, George abria Le Mistral,
rebatizada, em 1964, como Shakespeare and Company. "Devoto de Sylvia Beach", como afirma Mercer, o livreiro fazia uma
homenagem e reafirmava um
estilo de levar adiante um negócio no qual o dinheiro é sempre o fator menos importante.
Nessa segunda "vida", que
dura até hoje, passaram por lá
Henry Miller, Anaïs Nin, Samuel Beckett, William Burroughs, Allan Ginsberg e outros
escritores (segundo George,
mais de 40 mil), muitos dos
quais convidados, depois de
apresentar uma autobiografia,
a ficar por ali, em uma das camas espalhadas pela labiríntica
loja, ajudar no trabalho, ler o
máximo possível e escrever.
Foi o que aconteceu com Mercer, um jornalista policial canadense com a vida então bem estilhaçada, em janeiro de 2000.
Gente estranha
"Um Livro por Dia" está
montado com cenas alternadas
do dia-a-dia da livraria e de
lembranças de vivências dos
personagens que circulam no
lugar -o que propicia ao autor
dezenas de ótimas histórias, já
que não faltam ali homens e
mulheres exóticas e casos curiosos. A grande figura, contudo, é mesmo George Whitman,
que reaparece a todo instante
no texto, com seu ideário anarquista e comunista e com uma
paixão intensa por livros e mulheres.
Daí a boa definição de Mercer: "No final, sim, é uma livraria famosa, e, sim, sua importância literária não é pequena.
Mas, acima de tudo, a Shakespeare and Company é um refúgio, como a igreja do outro lado
do rio. Um lugar onde o proprietário permite que todos peguem o que precisam e dêem o
que podem".
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
UM LIVRO POR DIA - MINHA TEMPORADA PARISIENSE NA SHAKESPEARE AND COMPANY
Autor: Jeremy Mercer
Tradução: Alexandre Martins
Editora: Casa da Palavra
Quanto: R$ 39,90 (nas livrarias a partir
de 10 de julho)
Avaliação: bom
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