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Morre o filósofo Richard Rorty, crítico da objetividade
Influente intelectual norte-americano sofria de câncer no pâncreas e tinha 75 anos; autor de "Verdade e Progresso", entre outros, criticava governo Bush
Pensador que atacava a existência de "verdades" exteriores aos discursos defendia um liberalismo
de esquerda reformista
DA REPORTAGEM LOCAL
O filósofo norte-americano
Richard Rorty morreu na última sexta-feira, aos 75, em Palo
Alto, na Califórnia. Sua mulher,
Mary Varney Rorty, anunciou
ontem sua morte, causada por
um câncer no pâncreas.
Rorty foi um dos mais importantes e influentes intelectuais
da segunda metade do século
passado, e sua reflexão é marcada, como a de muitos de seus
contemporâneos, por uma crítica radical da metafísica. Do
ponto de vista político, o norte-americano foi um liberal de esquerda reformista.
A crítica específica de Rorty à
tradição moderna da filosofia
se dava pela afirmação de que é
impossível, para ele, separar
um suposto mundo da "mente"
(um sujeito do conhecimento)
de um mundo exterior.
Conhecimento, portanto,
não é a melhor adequação possível de idéias a esse mundo
"exterior". Para os filósofos
metafísicos e para a ciência, ele
dizia, esse mundo serviria para
testar ou, ao menos, para impor
limites às construções de verdade do mundo da "mente",
dos sujeitos.
Para Rorty, é sempre impossível fazer uma distinção entre
o que é "dado" e o que é "adicionado pela mente". O conhecimento é, portanto, uma prática
social e "conversacional", mais
que qualquer reflexo mais ou
menos bem sucedido do mundo exterior.
"Não há nenhuma outra base
para se decidir o que conta como conhecimento e verdade do
que aquilo que seus interlocutores deixarão você dizer numa
troca aberta de defesas de
idéias, de ataques e razões", disse o filósofo. "Truth is not out
there", ou seja, não há verdade
a ser encontrada, e ela não existe independente desses discursos, defendia Rorty.
Ele foi bastante atacado e criticado por suas posições, para
muitos excessivamente relativistas. O filósofo dizia seguir a
tradição do pragmatismo norte-americano, levada adiante
por autores como Charles Sanders Peirce (1839-1914) e John
Dewey (1859-1952).
Rorty encontrava críticos
mesmo dentro dessa tradição,
que, embora anticartesiana e
defensora de que conceitos (ou
melhor, práticas) como "verdade" e "conhecimento" são apenas instrumentos de melhor
adaptação ao meio e de sobrevivência, ainda acreditariam em
um "mundo lá fora" que restringiria nossas possibilidades
discursivas.
Politicamente, dizia ter crescido num ambiente de esquerda crítico do stalinismo. Essa
crítica encontraria mais tarde
fundamento na sua teoria epistemológica, já que ele dizia que
qualquer sistema que pose de
desvelador de causas escondidas e sistemáticas para a exploração parte de uma idéia de realidade que, bem, não é real.
Para ele, haveria sempre um
aspecto de ironia na defesa, necessária, do liberalismo, já que
nenhum dos seus defensores
pode afirmar que suas idéias
são mais "verdadeiras" que as
de seus opositores. Ainda assim
seria necessário defendê-las
em nome da diminuição do sofrimento no mundo.
Em anos recentes, Rorty fazia críticas à administração de
George W. Bush, bem como à
pregação de intelectuais antiamericanos. Em português, é
possível ler obras como "Verdade e Progresso" (Manole, 472
págs., R$ 98) e "Pragmatismo e
Política" (Martins, 134 págs.,
R$ 29,50). Seus debates com o
alemão Jürgen Habermas aparecem em "Filosofia, Racionalidade, Democracia" (Unesp, 270
págs., R$ 37).
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