São Paulo, sexta-feira, 12 de junho de 2009

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Nossos 20 e poucos anos

Com referências ao universo pop, o premiado "Apenas o Fim", dirigido por jovem carioca, estreia hoje e radiografa com humor a geração 00 ao mostrar o fim de um namoro

Divulgação
Os atores Erika Mader, 24, e Gregório Duvivier, 23, em cena do
filme "Apenas o Fim", estreia na direção de Matheus Souza, 21


RICARDO CALIL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Para o cético que se depara com "Apenas o Fim", a primeira frase que vem à cabeça é o sábio conselho do grupo de rap Public Enemy: "Don't believe the hype". Por falta de tradução melhor, não acredite na badalação.
O filme foi feito por um diretor jovem e inexperiente demais (o carioca Matheus Souza, com 19 anos e aluno de cinema da PUC-RJ na época das filmagens), com dinheiro e tempo de menos. E ganhou elogios e prêmios demais (público no Festival do Rio e na Mostra de SP no ano passado). Não é possível que seja tão bom assim.
São necessários dez minutos para perceber que o hype não é infundado, que esse pequeno filme tem virtudes que o tornam obra singular e relevante no cinema brasileiro atual.
A trama é simples: garota (Erika Mader) anuncia ao namorado (Gregório Duvivier) que vai abandoná-lo e fugir para um lugar desconhecido. Ela lhe dá duas alternativas para a última hora que irão passar juntos: transar ou conversar. Ele escolhe a segunda opção. Os dois passam a discutir e relembrar a relação. É só isso.
O caráter franciscano da história e da produção, a aposta na palavra em detrimento da mise-en-scène, a questão do tempo determinado para os amantes e o desejo de dissecar uma relação remetem a "Antes do Amanhecer" (1995) e "Antes do Pôr-do-Sol" (2004), de Richard Linklater.
No Brasil, a referência imediata é Domingos Oliveira, especialmente o de "Todas as Mulheres do Mundo" (1966). O jovem e o veterano cineastas cariocas ocupam espaço semelhante no cinema nacional. Quando começou a carreira nos anos 60, Oliveira era visto como alienado por falar de afetos em tempo de denúncias. Souza estreia em ambiente menos carregado, mas dominado por um duopólio: o drama social e a comédia romântica. Ele escolhe uma terceira via: o retrato geracional-sentimental.

Verborragia e silêncio
Para compor seu instantâneo da geração 00, o diretor recorre a uma série de referências ao universo pop: tamagochis, Backstreet Boys, Cavaleiros do Zodíaco. Na melhor piada do filme, o personagem de Duvivier reclama que sua vida sexual foi abalada por uma descoberta assustadora: Vovó Mafalda era, na verdade, um homem. A overdose de citações não é gratuita. Como observou o crítico Cléber Eduardo na revista eletrônica "Cinética", o filme registra um grupo que se define pelos bens que consome e que cataloga, por exemplo, em perfis do Orkut. "Apenas o Fim" é ao mesmo tempo reflexo e sintoma dessa realidade, menos um filme sobre uma geração, mais um filme de uma geração. Os personagens falam muito. Existe apenas uma cena de silêncio -e ela, sozinha, justifica a verborragia dominante. Falam muito porque querem esconder o que não pode ser dito. Por trás da aparente banalidade dos diálogos, o filme coloca delicadamente ao espectador um par de questões essenciais: o que permanece de um amor, o que permanece da juventude? Há um fato muito saudável em "Apenas o Fim" que o diferencia de quase toda a produção brasileira atual. Seu DNA é imediatamente identificável: a PUC do Rio. Não porque o diretor estudou ali ou porque a universidade serve de cenário central. E sim porque o humor, o fraseado, as espertezas e as limitações do filme só poderiam ter nascido ali. Mas, seguindo a frase de Tolstói que virou chavão ("se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia"), a produção tem potencial para se comunicar com um mundo muito maior do que o local onde foi gestado.
"Apenas o Fim" é tão PUC carioca que o espectador em dado momento começa a se perguntar: cadê o Los Hermanos na trilha sonora? E ela chega enfim -não como um elemento previsível, mas inevitável.


APENAS O FIM Direção: Matheus Souza
Produção: Brasil, 2008
Com: Gregório Duvivier, Erika Mader e Marcelo Adnet
Onde: no Espaço Unibanco Augusta, HSBC Belas Artes e circuito
Classificação: livre
Avaliação: bom




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